Perfumaria - Buscando caminhos

Perfumaria - Buscando caminhos

Com a venda em unidades apresentando queda nos últimos anos, marcas de perfumaria apostam numa oferta baseada no bom e velho “custo x benefício” para crescer

Um olhar temporal mais amplo para a categoria de perfumaria mostra que um mercado que fatura mais, mas vende consideravelmente menos. Sim, as vendas de perfumes, considerando fragrâncias femininas, masculinas e infantis no período entre 2018 e 2022 cresceram 10,3%, de acordo com dados da empresa de consultoria Kantar Worldpanel, que faz suas medições por meio de painel domiciliar. O número pode ser considerado fraco para um período tão longo, e que teve no meio dele uma pandemia que, ao contrário do que se deu em outras partes do mundo, turbinou a venda de perfumes em terras brasileiras. 

O Brasil ainda é um campeão global da perfumaria. Em 2022, a categoria faturou cerca de R$ 9,9 bilhões, também segundo os dados da Kantar. Mas esse faturamento é fruto basicamente do aumento de preços dos perfumes vendidos por aqui, em especial pelas marcas líderes. Nem dá para falar que se trata de um processo de “premiumnização”, como o vivido em outros períodos, em especial na primeira década deste novo milênio. O que se vende hoje - tanto em termos de qualidade como de posicionamento de marca e mercado - não difere muito do que já era oferecido às consumidoras em 2018. 

Na outra ponta, o que se viu nesse período foi uma queda bastante considerável no volume de unidades vendidas. Segundo Cynthia Guimarães, executiva de contas da Kantar divisão Worldpanel, a indústria brasileira de perfumaria vendeu 118 milhões de unidades no ano passado. Desse montante, a perfumaria feminina respondeu por 59,4% das unidades consumidas em 2022, enquanto os itens masculinos fecharam o ano representando 27,8% do volume. Nos últimos cinco anos, a perfumaria masculina perdeu espaço na cesta de compra dos lares tupiniquins .

Para o primeiro semestre deste ano, as informações mais recentes da empresa de pesquisa apontam numa direção positiva, com o resultado em valor crescendo duplo dígito, com destaque para a perfumaria feminina impulsionada pela importância do Dia das Mães. Mais importante, tanto na perfumaria femina quanto na infantil, o crescimento em volume de unidades vendidas superou o avanço em valor em três e seis pontos percentuais, respectivamente. Na perfumaria masculina, o crescimento em valor foi cerca de nove pontos percentuais acima das vendas de unidades.

Se o mercado está recessivo, porque comprando menos frascos, o eixo de escolha de boa parte dos consumidores também vem mudando. Nesse cenário, um motor que deve se destacar no curto prazo como um driver de crescimento é a oferta de produtos que entregam benefícios claros e perceptíveis, inclusive financeiramente. Traduzindo, uma aposta no bom e velho “custo x benefício”. Mesmo em um cenário econômico claudicante, o consumidor apresenta uma necessidade de ter alguns perfumes para as suas rotinas do dia a dia, além do mais, existe uma disposição da parte dele para experimentar fragrâncias novas e diferentes. “Muito mais do que ter a próxima marca hit mundial, acredito que a palavra-chave para o sucesso da perfumaria no futuro seja ‘custo-benefício’”, afirma Ricardo Lamenza, CEO da importadora Excellence, que tem no seu portfólio marcas como Mercedes-Benz, Marina de Bourbon, Animale, além de grifes da alta perfumaria como Creed e Memo. Para o executivo, o ponto central poderá ser entregar o melhor produto possível “dentro de um valor que não somente caiba no bolso do consumidor, mas que lhe pareça justo, fazendo com que a transação seja confortável para ele”, reforça. 

Gerente de Marketing e Perfumaria da empresa de venda direta Jequiti, Daniel Capeto entende que preço e produto são duas frentes que devem ser trabalhadas concomitantemente. “Se trabalhadas corretamente e sob a ótica dos consumidores, esses dois pilares permitem que os players da indústria explorem qualquer uma dessas oportunidades – perfumaria acessível, alto luxo e nicho –, oferecendo soluções que estejam alinhadas às expectativas dos consumidores”, diz. Um bom exemplo de aproveitamento desse tipo de oportunidades são as miniaturas da Jequiti, que hoje representam uma porta de entrada para a categoria de perfumaria, oferecendo perfumes com alto valor percebido a um preço acessível, dado a baixa volumetria. “Essa estratégia atende tanto aos consumidores com menor poder de compra, quanto aos que buscam experimentar várias colônias para posteriormente fidelizar em alguma delas”, completa Capeto.

No atual contexto econômico e de consumo, as redes sociais têm contribuído para uma crescente valorização por parte dos consumidores em relação a marcas brasileiras que oferecem produtos de alta qualidade a preços justos. A idealizadora e CEO da marca catarinense Ciclo Cosméticos, Luane Lohn, é uma das que têm apostado nas plataformas digitais para alavancar as vendas dos perfumes da marca, como o Hello Hello, uma fragrância desenvolvida em parceria com a influenciadora Nah Cardoso (que possui mais de três milhões de inscritos no seu canal no Youtube) e que virou febre entre os usuários da plataforma Tik Tok. “Estamos extremamente felizes em ter uma presença tão marcante em uma rede social de grande importância para o Brasil. Os nossos produtos são pensados para atender a todos os públicos, e a democratização da fragrância Hello Hello apenas reforça que estamos no caminho certo”, afirma Luane.

Se o fator preço é determinante na percepção do “custo x benefício” do perfume, a maior acessibilidade aos produtos dessa categoria também é fator fundamental na opinião do CEO da Excellence. “Nós, como consumidores, gostamos de ter a sensação de que fizemos um bom negócio, mas principalmente,  que estamos tendo uma experiência incrível com o produto e, com isso, suprindo as nossas necessidades de beleza e bem-estar”, diz. 

Agora, numa relação que tem o “custo x benefício” como fator principal de compra, qual o peso que o nome de uma marca pode exercer sobre as escolhas da consumidora? Embora reconheça a importância da Marca, Lamenza acredita que existe uma mudança de mentalidade das pessoas em relação ao consumo, que a situação econômica no pós-covid ajudou a acelerar, com a consolidação de marcas que entregam maior valor, com performance impressionante a preços mais acessíveis. Esse é um dos fatores que ajuda a explicar o espaço que as marcas árabes de perfumaria têm encontrado no mercado brasileiro, caso da Al Wataniah, parte do portfólio da Excellence.

Mas esse é um driver potencial para o crescimento da categoria, não o único. Outros fatores que podem ajudar a perfumaria a avançar dizem respeito a capacidade de um perfume de gerar uma experiência diferenciada e memorável por meio de fragrâncias – uma característica tradicional nos nichos mais sofisticados da perfumaria, somados a maior preocupação com a transparência e uma produção sustentável. O executivo da Excellence também vê um fortalecimento dos produtos unissex nestas categorias mais sofisticadas. Não necessariamente por conta de um movimento identitário, mas simplesmente porque como ele diz, “as fragrâncias são, na sua essência, criadas para incorporar um conceito e não um gênero”.

No seletivo, as fragrâncias dominam
As vendas de produtos de prestígio e distribuição seletiva  alcançaram mais de R$ 1,8 bilhão nos primeiros sete meses de 2023, segundo levantamento da Circana, empresa global de data tech para análise do comportamento de consumo. De acordo com a consultoria, esse montante representa um aumento de 16% em relação ao mesmo período de 2022. Respondendo por mais de 60% das vendas desse segmento, as fragrâncias têm sido o condutor e resultados por aqui nos últimos anos, crescendo acima da média global. Entretanto, após anos de alta performance, o crescimento em 2023 vem desacelerando, segundo Ana Seccato, diretora comercial da Circana. No período, as vendas cresceram 11% em valor, efeito principalmente dos aumentos de preços do mercado e somente 1% em unidades.

Em termos de distribuição e canais de venda, a especialista da Circana conta que as lojas de departamento, como Renner, Riachuelo e C&A, seguem como a principal opção de compra de perfumes importados dos consumidores, representando aproximadamente um terço das vendas totais. “Porém, com a diminuição de abertura de pontos de venda e a entrada de competidores online internacionais de fast fashion que afetam o fluxo de consumidores para as lojas, o canal departamental desacelera”, aponta. Em contrapartida, canais mais tradicionais como perfumarias e lojas especializadas de beleza, que somadas representam 40% do mercado local, cresceram mais aceleradamente. “Essas lojas avançam impulsionadas tanto por marcas de alto luxo – produtos com preços acima de R$ 1.100 –, quanto pela abertura de novos pontos de vendas”, diz Ana.

Ana explica que entre as estratégias vencedoras na distribuição seletiva neste momento, está o foco em lançamentos de fragrâncias de alta concentração. Parfums (sem o Eau mesmo), Elixires e versões Intense ganham espaço nas prateleiras das opções masculinas, principalmente. Além disso, segundo a diretora, a categoria ganha um grande aliado dentro das redes sociais: o TikTok. “A ferramenta se tornou uma influência poderosa na descoberta e compra de fragrâncias pelos consumidores, com hashtags como #perfumetiktok e #perfumetok acumulando bilhões de visualizações”, diz. Mesmo sendo consumida mais por adolescentes e jovens do que pelo público mais adulto, a mídia social de vídeos curtos contribui para compras por impulso e a exploração de diferentes marcas, com destaque para os produtos de nicho, que, apesar de representarem somente 5% das vendas da categoria de prestígio, crescem pelo terceiro ano consecutivo acima da média do mercado.

A natureza segue inspirando
A perfumaria, por tradição, se destaca ao explorar a conexão com a natureza em suas fragrâncias. Ao incorporar elementos naturais como flores, ervas e madeiras em suas composições, os perfumes não apenas oferecem experiências sensoriais envolventes, mas também estabelecem um elo emocional com o mundo natural. Essa abordagem resulta em perfumes que evocam sensações de frescor, tranquilidade e vitalidade, além de promoverem um senso de bem-estar e conexão com o meio ambiente. A busca por fragrâncias que refletem a harmonia da natureza cativa os consumidores e também ressalta a importância da sustentabilidade e do respeito pelo meio ambiente na indústria da perfumaria. A tradicional grife francesa de perfumaria Guerlain, parte do conglomerado de luxo LVMH, é uma delas. Desde 1999, a casa tem uma coleção de fragrâncias dedicadas à natureza, a Aqua Allegoria, que estabelece com base para suas criações ingredientes de origem natural de todo o mundo pesquisados pelos perfumistas da Maison. A coleção, que tem como mote “o mundo é o nosso jardim”, se tornou o símbolo dos compromissos de longa data da Guerlain com o planeta e a diversidade biológica. Membro da UEBT (União para BioComércio Ético) desde 2021, a marca implementou planos de melhoria para cada rede de fornecimento de ingredientes naturais, de mãos dadas com seus diversos atores. “Como resultado dessa virtuosa abordagem de melhoria contínua, todas as redes icônicas da Maison serão premiadas até 2026 com a certificação Sourcing with Respect”, disse a marca em comunicado.

Outro lançamento nas ondas da natureza e da sustentabilidade cem da Natura, com o Kaiak O2. A nova fragrância da marca remete ao frescor puro da oxigenação dos oceanos com notas aquáticas que unem o melhor da ciência e da natureza, segundo a fabricante. Com parte de sua composição proveniente de upcycling, ou seja, ingredientes que são remanescentes de outros processos de extração, Kaiak O2 é mais um passo frente ao cuidado com os oceanos, segundo a fabricante, uma vez que usa ingredientes que seriam descartados para criar beleza com menos desperdício, e menor impacto no meio ambiente. Na versão masculina, 35% da composição é oriunda de processos de upcycling, enquanto na feminina, esse número sobe para 37%.

A Natura afirma que o seu compromisso com o meio ambiente não se dá apenas na relação entre o ser humano e as suas fragrâncias. A partir de iniciativas sustentáveis, a empresa busca cada vez mais evoluir sua responsabilidade ambiental por meio dos produtos. Desde 2022, a marca tem reestruturado totalmente as embalagens de toda a linha de perfumaria Natura Kaiak, que foi relançada com material reciclado, sendo mais de 50% de todo o plástico presente proveniente de plásticos reciclados retirados do litoral brasileiro.  Até o momento (outubro de 2023), Natura Kaiak já utilizou mais de 102 toneladas de plástico reciclado nas embalagens de suas fragrâncias no Brasil, mesmo peso de 51 milhões de tampinhas de refrigerante e evitou a emissão de 164,3 toneladas de CO² na atmosfera.

“Há 25 anos, traduzimos a alma aquática de Kaiak em fragrâncias que trazem a potência do frescor do oceano de forma exclusiva. Com Kaiak O2, a Natura inova ao traduzir a oxigenação do oceano em notas aquáticas e cítricas efervescentes – tudo isso inspirado no respiro do mar que oxigena a atmosfera, que nos recarrega, traz bem-estar e nos dá vida”, diz Claudia Pinheiro, diretora de perfumaria global da Natura. “Kaiak O2 mantém toda a consistência da marca e nossa causa Mais Beleza, Menos Lixo, trazendo embalagens feitas com plástico reciclado retirado do litoral brasileiro, reforçando o nosso compromisso com a despoluição dos mares”, completa a executiva.

Embalagens na mesma vibe
A área de embalagens também navega pelos mares da sustentabilidade. A Wheaton, que domina o mercado brasileiro de frascos de vidro para perfumaria, apresentou na Luxe Pack Monaco 2023, em outubro, a sua linha Ecoglass de embalagens sustentáveis standard que promovem a economia circular, visando à redução do consumo de matérias-primas retiradas da natureza. A linha conta com frasco leve, com 20% menos massa vítrea do que uma embalagem de vidro tradicional e reduz em mais de 30% a emissão de CO2. A empresa ressalta que os frascos Ecoglass promovem o reuso a partir de características como terminação em rosca, que permite a refilagem do produto, e da oferta de frascos para refil. “Nossa aposta é para que nossos clientes não tenham somente produtos de excelência, mas também experiências diferenciadas de consumo”, diz Ricardo Lopes, diretor comercial e de marketing da Wheaton.

A refilagem na perfumaria, um advento que não é tão novo aqui no Brasil (a Natura adota já adota o sistema há alguns anos), começa a avançar no segmento de perfumaria de luxo. Algumas fragrâncias da L'Oréal, por exemplo, como a linha My Way, de Giorgio Armani, contam com frasco que possui um sistema de refil inovador, segundo a marca, fácil e limpo, sem que seja necessário o uso de funil. O refil de 100 ml. é conectado ao frasco de qualquer volumetria da fragrância dando início ao processo de reabastecimento que é 100% automático e sem perder uma gota do perfume, com frisa a fabricante, que destaca ainda que o uso de refil colabora em uma redução de 64% nas emissões de carbono da fragrância.

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