Evolução fundamental

Evolução fundamental

A Quarta Revolução Industrial no Brasil é uma realidade para poucos. O caminho a percorrer é longo, mas as indústrias de beleza começam a entender a importância de investir na modernização de suas fábricas


A produção industrial mundial está entrando num novo momento de transformação, impulsionado pela alta automação, interatividade com tecnologia e flexibilidade. O momento, batizado por especialistas de Quarta Revolução Industrial, acendeu um sinal de alerta na cabeça de empresários e players importantes da indústria brasileira: Mais do que nunca é preciso investir na modernização de nossos parques industriais, se quisermos continuar competitivos no mercado. Dados recentes da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) indicam que apenas 15% das empresas brasileiras utilizam manufatura avançada. Dentro desse percentual, apenas 2% delas teriam tecnologia que poderia incluí-las dentro de um cenário de Indústria 4.0.

E quando se trata do parque industrial do setor de cosmética e beleza brasileiro, como estamos? Salvo projetos em andamento, como os de grandes players como Natura e L'Óreal, por exemplo, o caminho ainda é longo e, se existe defasagem na modernização das operações industriais no setor cosmético nacional, muito disso se deve aos desafios estruturais de nosso país.

Segundo o Consultor em Estratégia e Desenvolvimento de Novos Negócios e Operações, Rodolfo Komatsu, o tamanho do Brasil já representa o primeiro desafio: o logístico, que impacta a Cadeia de Suprimentos onde os grandes produtores e fábricas de matérias-primas e embalagens, localizadas na região Sudeste e Sul. Depois temos o desafio fiscal, que engloba uma enorme complexidade de combinações que depende do modelo tributário das empresas. “O planejamento tributário e os incentivos fiscais são boas fontes de reduções de custos e fomentos ao desenvolvimento regional. Por outro lado, estes estudos não são tão simples para empresas de pequeno e médio porte”.

Komatsu acredita que o Centro-oeste e Nordeste sejam as regiões que possuem mais gargalos nas operações industriais em empresas de pequeno e médio porte. “Principalmente na parte de serviços e equipamentos, tão necessários a uma operação industrial e exigências regulatórias, até em uma etapa anterior que seria a Pesquisa e Desenvolvimento, pois ficam mais distantes das áreas e centros de pesquisa como universidades e laboratórios”, completa.

Para Paulo Gurgel, presidente e fundador da Cigel Cosméticos, a questão da logística, principalmente no que diz respeito à nossa malha viária, representa um dos maiores gargalos. “A malha viária no Brasil e especificamente no Norte e Nordeste do país é precária, além do baixo suporte na malha rodoviária para os interiores. Além do fato da a frequência de navios para transporte de capotagem para estados do Norte ser ainda muito morosa e lenta”, declara.

Rodolfo Komatsu sugere que muitos desses gargalos podem ser transpostos com modelos mais dinâmicos e rápidos como o caso de Inovação 360º Conectada ou Plataformas de Inovação. “É o que tenho apostado e desenvolvido muito, como forma rápida, barata e assertiva de Inovação. Podemos criar um time multifuncional de forma rápida, conectando diversos recursos e oferecendo um serviço de forma não presencial”.

Modernizando em plena crise
Apesar de todos estes entraves, no entanto, mesmo em tempos de pandemia, o nível das operações da empresa continua em rápida aceleração. "Fomos fortemente impulsionados pela crescente nas vendas nos últimos anos, o que nos levou a ampliar nossa participação comercial no país e proporcionou a expansão do parque fabril. “Na Cigel, temos uma produção horizontalizada em que, além da produção de líquidos, temos a produção de embalagens in loco, o que nos torna auto-suficientes. Hoje, com nossos maquinários de última geração, contamos com capacidade produtiva de mais de 20 milhões de litros por ano e mais de 65 milhões de unidades por ano”, conta Gurgel.

Empresa genuinamente cearense, como gostam de se identificar, a Cigel é detentora das marcas Alyne, Aseplyne, Delicaderm, Repele Mais e Pure. Atuando desde 1986 em todo Norte e Nordeste do país, no final de 2019, a empresa entrou numa etapa de expansão acelerada. Foram sete milhões de reais investidos na ampliação do parque fabril e, para o período pós-pandemia, mais três milhões serão injetados para automatizar suas linhas. “Com isso, adquirimos uma nova máquina sopradora de alta tecnologia para produção de frascos, três máquinas de envase, modernizamos toda nosso setor de tanques, adquirimos novos reatores mais modernos e mais produtivos e ampliamos a área logística com aquisição de novas empilhadeiras e de estrutura para apoiar o escoamento da produção. Em paralelo aplicamos 600 mil reais na aquisição de um sistema de tecnologia da informação que irá acelerar nossos processos de gestão”.

Paulo Gurgel, da CIGEL/AlynePaulo Gurgel, da CIGEL/Alyne

Prestes a completar 21 anos como uma das principais marcas de produção terceirizada do setor cosmético, a Lange Cosméticos também tem apostado na modernização de seu parque fabril para aumentar a produtividade. Localizada em Cesário Lange, São Paulo, sua capacidade de produção instalada hoje é de 4milhões de unidades para cada turno de trabalho.  

“Temos investido em aquisição de novos equipamentos de produção para aumentar a nossa produtividade. A idéia aqui nem é buscar novos clientes estamos muito satisfeitos com os que já temos. É melhorar o tempo de produção, reduzir o custo operacional e com mais qualidade final”, conta o Diretor Geral da Empresa, Farid Ismail.

“Também estamos construindo dois novos laboratórios um para desenvolvimento de novos produtos e outro para microbiologia. Claro que sempre que investimos em aquisição ou construção, buscamos adquirir uma tecnologia melhor do que já tínhamos. É uma evolução natural nestes processos. Não se trata aqui de apresentarmos uma nova e/ou revolucionária inovação. Em termos de tecnologia e maquinário, nem tem havido muitas novidades mercado”, completa Farid, que anuncia também anuncia também a construção de novas áreas para armazenagem de insumos e área administrativa em andamento.

Funcionando com a capacidade máxima, trabalhando em dois turnos e prestes a iniciar um terceiro ainda em outubro, a Bio Extratus é outra empresa que vem apostando na modernização de sua planta para atender a constante demanda. "A empresa investe constantemente em equipamentos. Recentemente adquirimos muitos tanques de manipulação, novas rotuladeiras que permitiram ampliar nossa capacidade produtiva e em breve receberemos novos equipamentos para envase em filme flexíve"l, conta Janaina Gomes, Diretora Técnica da companhia.

Localizada no município de Alvinópolis, à 170 Km da capital mineira, a Bio Extratus planejava inaugurar uma nova unidade até o final deste ano. Infelizmente, com a crise causada pela pandemia e os efeitos dela sobre a economia, os planos foram adiados para o próximo ano. “O cambio tem impacto direto na compra de equipamentos, tanto nacionais quanto importados. Além disto a escassez de material de construção trouxe impactos nos custos das obras de ampliação da empresa. Na parte de pesquisa não chegamos a sentir este impacto.

Mas a construção da nova área continua, assegura Janaina. “A empresa tem feito tudo com recurso próprio e em função da desaceleração econômica dos últimos anos, a empresa também desacelerou um pouco os investimentos nesta nova unidade e por isto o cronograma foi estendido”.

Farid Ismail, da Lange, reforça o quanto a incertezas cambiais podem influir não só sobre os projetos de modernização de nosso parque industrial como também na própria produção. “Tudo que depende do câmbio altera significativamente a nossa vida diária, principalmente para a indústria em geral. Há muita importação atualmente e o custo das matérias primas e embalagens, além de terem aumentado significativamente, ainda estão em falta no mercado. Mais de 80% das matérias primas utilizadas pela indústria cosmética é importada e se o câmbio sobe, sobem também os custos destes ingredientes. E hoje, o pior de tudo é a falta de insumos importantes para a nossa indústria. Muita coisa depende da produção da China, e agora, tudo está em falta. É bom também para o mundo acordar e parar de produzir tudo só na China ou outro país”.

Rodolfo Komatsu afirma que, sim, nosso parque industrial está defasado, principalmente, em relação a outros países, mas lembra que atualmente a busca por modernizar está parada e os muitos projetos congelados por conta da instabilidade de cenários, seja de consumo por conta do Covid-19 ou político-econômico. "Projetos Grandes de melhorias com investimento em CAPEX são planejados no médio e longo prazo, por isso neste momento, salvo exceções, eles não são prioritários. Nos últimos dois anos, o Setor retornou com  muito otimismo para iniciar 2020. “Tive a oportunidade de acompanhar alguns planos mais voltados à flexibilidade/agilidade de empresas, relacionados ao modelo de consumo de produtos mais personalizados para atender melhor esta novo comportamento/demanda, com novas marcas mais nichadas. Percebi que empresas com menores lotes com setup rápidos e com custo-benefício,  sustenta o mercado de pequenas e médias operações. O que venho discutindo em fóruns e encontros dentro do cenário global, são quais as oportunidades devido ao câmbio de fomentar a produção local, comparando-se custos de produtos importados?, questiona Rodolfo. Este é um ponto relevante que deve ser ponderado ao impactar esta busca por melhorias".

Parques do futuro
Mas, para as empresas que estão se modernizando, apesar dos tempos, quais têm sido os principais incentivos que as impulsionam?

Para Paulo Gurgel da Cigel o ganho expressivo de escala, que engloba a automação e a velocidade de produção tem sido a prioridade. "Isso porque o mercado na pandemia ficou muito aquecido para o setor de, higiene pessoal e no pós-pandemia continuamos em franca expansão, com a entrada de novos distribuidores, então o mercado nos exigiu esse crescimento reativo, tivemos que correr com o aumento de escala na fábrica atual".

No mesmo caminho segue Janaina Gomes, da Bio Extratus. “Temos priorizado o ganho de escala, mas com o desafio de naõ perder a flexibilidade. O nosso portifólio é extenso e a grande variedade de itens, com diversidade nos materiais de embalagens, é um desafio para ganhar produtividade sem perder a versatilidade das linhas de produção”, pontua a diretoras da Bio Extratus.

Sobre os motivos para continuar acreditando na modernização de sua planta, Paulo Gurgel completa: "Estamos vivenciando um período nunca antes visto de demanda acelerada pelos nossos produtos, em todo o Norte e Nordeste. Presenciamos meses consecutivos de superação das metas comerciais traçadas, o que comprova a credibilidade e confiança que os clientes e consumidores têm pelas nossas marcas. Com isso, fomos pressionados a uma rápida expansão no parque fabril, o que nos deu um aumento da capacidade produtiva atual. Diante dessa nova estrutura da fábrica ganhamos tempo para planejar os próximos passos, aguardando a conjuntura econômica do novo normal que se desenhará para 2021”, aposta.

 

* foto da abertura: Divugação L'Oréal/Adrian Bedoy

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