Um negócio diferente

Um negócio diferente

Anunciada no final de 2019, a incorporação pela IFF da antiga da divisão de Nutrição e Biociência da Du Pont deu luz a uma empresa diferente, mais diversificada e capaz de abordar novas tecnologias, funcionalidades e possibilidades para a divisão de fragrâncias da companhia   

Se existe um negócio que envolve a cadeia de valor do mercado de beleza e consegue ser extremamente dinâmico e, ao mesmo tempo, tradicionalíssimo na manutenção da essência do seu métier esse negócio é o de fragrâncias. Ao longo de todo o século XX o segmento foi sendo moldado por um intenso processo de fusões e aquisições (e desinvestimentos de grandes grupos químicos e farmacêuticos) que resultou num mercado altamente concentrado, com quatro grandes empresas respondendo por 70% das vendas do setor em todo o mundo.

Nesse processo, por mais de 100 anos, as empresas de aromas e fragrâncias sempre se mantiveram focadas nos seus dois negócios principais. Ainda que as casas venham investindo num negócio de ingredientes cosméticos (pelo lado da área de fragrâncias) e de nutrição (pelo lado dos aromas), o desenho ainda era organizado debaixo dessas duas divisões.

A incorporação pela tradicional casa de fragrâncias norte-americana IFF da antiga divisão de Nutrição e Biociência da Du Pont deu origem a um negócio com receita anual estimada em US$ 11 bilhões e que muda de forma radical esse desenho. A operação veio na esteira da megafusão entre a Dow Química e a Du Pont, que resultou no desinvestimento de algumas divisões não integradas à nova companhia.

Com a incorporação, a IFF retorna à liderança da área, perdida em 2002 quando a rival suíça Givaudan, adquiriu a divisão de aromas de fabricante de alimentos Nestlé. Mas a configuração dessa nova IFF é muito diferente daquela de 20 anos atrás, com muito mais foco em nutrição, saúde e bem-estar do que apenas em criar cheiros e sabores. 

A antiga divisão de fragrâncias, agora chamada de Scent, respondeu por vendas anuais de US$ 2,1 bilhões em 2020, com cerca de US$ 380 milhões gerados na América Latina. Ao contrário do que aconteceu com o negócio de Aromas, impactado de forma mais direta pela incorporação, os ganhos para a IFF Scent não se apresentam diretamente nos números de vendas, mas sim, nas possibilidades que se abrem. “É muito interessante o que o portfólio e o legado que a Du Pont Nutrição e Biociências trazem como proposta de valor para nós e nossos clientes de uma maneira conjunta”, explica Elena Novas, gerente-geral da IFF Scent para América Latina.

A operação foi oficialmente concluída em fevereiro deste ano, quando a IFF pagou mais de US$ 7 bilhões à Du Pont para selar o negócio. No decorrer desse período, os times da IFF trabalharam em projetos e ideias para estudar as sinergias entre a divisão de Scent e a nova divisão de Health & Bioscience. Segundo Novas, esses trabalhos deram origem a três plataformas de trabalho com conexões claras ente elas: “Proteger o Planeta”; “Transparência e Confiança”; e “Saúde e Bem Estar”. “São temas que já estavam nas conversas e eram áreas críticas de preocupação e que agora estão mais evidentes por conta da aceleração gerada pela pandemia”, acredita a executiva.

Esse desenho não foi pensado da perspectiva de uma abordagem comercial aos clientes entre as diferentes unidades de negócios. Para Elena, uma visão mais transacional não seria capaz de agregar todo o valor que a IFF Scent espera obter desse trabalho de união. 

Quando a empresa entrou no segmento de ingredientes cosméticos, com a aquisição da Lucas Meyer, o negócio foi integrado à divisão de Fragrâncias, e embora tenha se mantido como uma unidade independente, a expectativa no começo era a de poder oferecer uma solução única para o mercado, até porque nesse caso, o portfólio de clientes é similar, o que permitiria aumentar os pontos de contato e serviço com os clientes, seja de um lado seja de outro. Projetos de soluções integradas têm sido realizados. Talvez não tantos quanto esperados no início, como reconhece Elena. 

Mas a situação agora é muito diferente, muito maior e ambiciosa em termos de agenda. Um bom exemplo é a questão da sustentabilidade, que abraça todas as plataformas atuais e futuras de pesquisa e desenvolvimento da empresa. De acordo com o presidente da IFF Scent, Nicolas Mirzayant, o tema é a principal prioridade da divisão, que está comprometida em assegurar aos seus clientes que até 2030, todas as fragrâncias produzidas pela IFF serão biodegradáveis e de ingredientes de fontes renováveis.  “Nossa posição em biociências agregada pela Du Pont Nutrição e Biociência, vai nos permitir acelerar esse processo. Somos a única companhia nessa área a ser integrada verticalmente”, afirma o executivo. “Estamos falando na transformação da oferta de fragrâncias, trabalhando com design regenerativo e ingredientes renováveis”, reforça Novas. Para ela, o acesso às tecnologias das divisões de Health & Bioscience e, também da divisão de Soluções Farmacêuticas é o benefício mais importante quando se pensa em inovação num contexto mais holístico de bem estar e em inovação de produtos para a pele, desenvolvidos pela Lucas Meyer.

Foco na ciência e nos serviços

Com todas as novas possibilidades, a missão da IFF nesse momento de transformação passa muito pela união da criatividade com a ciência. É exatamente o foco de Scent, cuja cultura segunda Novas, é baseada no pioneirismo dessa união o que faz com que o DNA da IFF seja enormemente impactado pela sua área de fragrâncias.

Ao mesmo tempo em que olha para um novo universo de possibilidades científicas e criativas e busca explorar oportunidades de negócios nos clientes e no portfólio, a IFF tem focado em manter o nível de serviço para os seus clientes num momento tão crítico quanto este. “Se tem algo do qual me orgulho enormemente é do fato de que a IFF garantiu o fornecimento de fragrâncias e de propostas adequadas as necessidade de nossos consumidores e clientes na pandemia. Mesmo com tantas novas variáveis demos prioridade para que não faltassem fragrâncias nas fábricas de nossos clientes, nos laboratórios e na mesa de nossos criativos”, conta a gerente-geral da IFF. 

A ciência do bem estar

“Saúde e Bem Estar” é uma das três plataformas de trabalho conjunto entre a IFF Scent e a nova unidade de Health & Bioscience da companhia. É um campo rico de pesquisa para a área de fragrâncias, num momento em que se espera das fragrâncias mais do que “apenas” um perfume gostoso. 

Na medida em que a ciência do bem estar avança e que o entendimento sobre o tema vai se aprofundando, o que antes era empírico, das pessoas perceberem o efeito do cheiro de uma essência da lavanda ou da laranja, já pode ser tratado de forma mais objetiva. “Hoje, temos um entendimento profundo de ingredientes e combinações e o efeito da neurociência. Isso ajuda a dar ainda mais sustentação ao apelo funcional das fragrâncias. As coisas deixam de ser “porque sim” e passam a ter uma resposta da ciência, que traz uma confirmação de muitas coisas que já percebíamos”, explica a gerente-geral da IFF. Isso pode se dar tanto no uso de ingredientes que cientificamente sabe-se que ajudam as pessoas a terem momentos de paz e tranquilidade, mas também a que elas se sintam, por meio da fragrância, seguras na hora de usar um produto que tenha um apelo de desinfetar a casa.

O que se desenha para o futuro, é que os benefícios das fragrâncias podem ir além do aspecto do bem estar, agregando novos benefícios. O Laboratoires Monique Remy, casa de ingredientes naturais da IFF, tem investido em pesquisas nesse sentido e já oferece no seu portfólio alguns ingredientes que geram benefícios comprovados à pele. “Isso é parte do core business da IFF, no sentido de sempre termos estado na ciência, a começar pelo cultivo das nossas matérias-primas de origem natural”, pontua Novas.

Criatividade

A necessidade de transformar a oferta de fragrâncias, seja do ponto de vista da sustentabilidade, seja por novas restrições regulatórias, seja pela necessidade contínua de inovação e da busca por novos cheiros, tem feito a IFF acelerar o seu pipeline de novas moléculas. “Nossa entrega de novas moléculas olfativas é a maior da história da empresa”, diz Elena Novas, que reforça que a maior parte dessas novas moléculas responde a ambição de trazer inovação e buscar novos cheiros.

As mudanças relacionadas às restrições regulatórias e aos novos paradigmas do mercado, que vão transformar o portfólio de ingredientes rumo à vegetalização e À sustentabilidade, vai impactar o processo criativo? Para Elena, é claro que sim. “Está mudando e, na verdade, não para de mudar a forma como criamos”, diz a executiva, que por mais de dez anos respondeu pela área criativa da IFF na América Latina. Para a executiva, que diz que não consegue se despir do chapéu da criação, ainda que o comando da área hoje seja exercido pelos seus colegas Eloisa Mello (Fine Fragrances) e João de Paula (Consumer Fragrances). “Minha resposta pessoal é que a criatividade se nutre de infinitos fatores. Depende muito de cada perfumista e de cada scent design manager (os avaliadores) de como trabalhar com esses novos contextos, seja de novas possibilidades seja em função de novas restrições impostas”, acredita. “Pode-se tomar uma restrição como uma limitação para a criatividade ou com um trigger para ela. Já vi a criação de fragrâncias incríveis a partir de restrições. É preciso ter criatividade para trabalhar novos elementos bionaturais, renováveis, fragrâncias com benefícios... Vamos explorar ao máximo o que a paleta e as condições da perfumaria moderna oferecem ou impõem. O resultado final vai vir da atitude de desafiar o que está pré-estabelecido para trazer inovação”, emenda a executiva, para quem as restrições não significam “torturar” os criativos, mas de que dessas limitações podem resultar uma nova perfumaria ou fragrâncias radicalmente inovadoras. A própria inteligência artificial como uma ferramenta a mais ajudando os perfumistas traz um universo de possibilidades para a criatividade. Nesse campo da digitalização – uma das plataformas  foco de pesquisa para o futuro na IFF –, Novas lembra que ao fim do dia, embora tudo isso tenha potencial para gerar coisas revolucionárias, como a “digitalização” das fragrâncias, o ritual do ser humano de querer estar acompanhados por bons cheiros e os rituais associados de experimentação, de passar o produto na pele, são coisas muito fortes. “Não vejo isso (uma digitalização dos cheiros) acontecendo no curto prazo, mesmo que existem os meios técnicos para isso”, acredita a executiva.

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