Plano de ação

A francesa L’Oréal está no Brasil há mais de cinco décadas. Mas ela nunca foi tão ativa como nos últimos três anos


Com vendas anuais de mais de US$ 30 bilhões a gigante francesa L´Oréal tem uma estratégia ambiciosa para os próximos anos. Chamada de “universalização” ela prevê conquistar um bilhão de novos consumidores para a marca. O Brasil é uma peça-chave para o sucesso dessa empreitada. Terceiro maior mercado de beleza do mundo o País responde por menos de 10% das vendas do grupo. Historicamente forte nos segmentos de cuidados com os cabelos e coloração e nas classes A/B, a L´Oréal Brasil – que gerou receita de aproximadamente R$ 2,2 bilhões em 2013 – está em busca das oportunidades de crescimento nos segmentos de pele e maquiagem, e também em ampliar sua presença entre os consumidores da classe C. Para viabilizar esses planos a L´Oréal está investindo pesado no País, incluindo aquisições de empresas, a construção de um centro de P&D e de uma nova sede no Rio de Janeiro. E o mais importante. A empresa está mais disposta do que nunca a entender e atender os anseios e necessidades específicas das brasileiras e, dando mais liberdade e autonomia para que a operação local decida como atingir esses objetivos. De sua sala na sede da companhia no Rio de Janeiro, Didier Tisserand (foto), presidente da L´Oréal Brasil falou sobre o momento atual e os planos futuros da empresa no Brasil.


Atualidade Cosmética: O que mudou na visão da L’Oréal sobre o Brasil?
Didier Tiserrand:
A primeira questão é entender o contexto global da L’Oréal. Desde 2010 temos uma estratégia que chamamos de “Universalização”, com o objetivo declarado de conquistar um bilhão de consumidores a mais para a empresa. A partir do momento que você determina isso não dá para pensar só no valor. Você precisa pensar em volume de consumidores. E quando fala em volume de consumidores você fala em novos mercados. O mundo está passando por uma mutação, com a entrada na classe média de milhões e milhões de pessoas a cada ano. Por que essa ambição de atingir um bilhão de consumidores? Porque com ela assumimos que temos uma nova realidade global e que a evolução do mundo está voltada para essa massa de consumidores. E estamos tratando de uma evolução que é antes de tudo demográfica. Isso torna os países como a China, Índia, Indonésia, Brasil e México centrais para os objetivos da L´Oréal. Esse é o ponto de partida. Definido isso, nós temos de investir para desenvolver esses países.

Como isso se reflete na operação da L´Oréal Brasil?
Para ter sucesso na nossa estratégia global, precisamos ter sucesso no Brasil. Eu cheguei aqui em 2011, com a missão de descobrir como acelerar o movimento de conquista de novos consumidores no Brasil. A primeira coisa que fizemos foi uma análise global da nossa situação de mercado. E vimos que precisávamos investir para acelerar o nosso desenvolvimento. Concluímos o projeto de aquisição da Niely, que é muito forte em coloração e tratamento capilar. Agora podemos chegar aonde nossas marcas L´Oréal Paris e Garnier não iam com tanta força. Com a Niely podemos conquistar um novo consumidor, com uma marca mais específica para esse consumidor. Esse é um projeto de dar continuidade nosso trabalho na classe média com mais profundidade, mais com a classe C.
Ao mesmo tempo enxergamos muitas outras possibilidades de expansão. Por exemplo, o trabalho que a divisão de Cosmética Ativa (responsável pelas marcas dermocosméticos da L’Oréal). Essa divisão foi uma das pioneiras na criação do modelo de negócios com dermatologista e há dez anos é parceira das drogarias, participando desse movimento de transformação das farmácias tradicional para o de drogarias modernas. Isso abre novas possibilidades. Hoje identificamos uma tremenda porta aberta para fazermos muitas coisas. Vivemos uma mudança do consumidor, com a proliferação dos canais de venda, o desenvolvimento dos shoppings centers e o acesso à internet... O contato do consumidor de classe C com marcas está mudando, e nós vemos a oportunidade de trabalhar com produtos de tratamento para a pele não só com a divisão de Cosmética Ativa, mas de levar essa mudança também com a divisão de mass market, indo com mais profundidade com a marca L´Oréal Paris, e também desenvolver uma grande marca de maquiagem, como a Maybelline, que vem crescendo 40%, 50% ao ano.
Outro eixo de oportunidade é a vontade de entrar também com o varejo. Por isso abrimos 64 quiosques de Maybelline, fizemos aquisição de Empório Body Store para a entrada da The Body Shop no Brasil, e agora, com a marca de maquiagem NYX - como consequência da aquisição global - que no Brasil tem cerca de 30 lojas. Com tudo isso vamos ter mais de 200 pontos de venda próprios no Brasil.

E como vocês estão trabalhando para dar vazão a tudo isso?
Temos muita ambição, e por isso, temos de nos organizar para ter condições de acompanhar e atender à capacidade de inovação, desenvolvimento e produção locais. Porque a estratégia de “Universalização” traz também a vontade, a necessidade de responder mais diretamente aos consumidores locais. Para isso temos mais laboratórios e centros de pesquisa, um hub de desenvolvimento e marketing para entender a necessidade, a demanda e a expectativa do consumidor e a capacidade de desenvolver publicidade, comunicação localmente. Um exemplo perfeito disso é o lançamento da linha Apaga Danos, de Garnier Fructis. As formulações são locais e para nos comunicarmos melhor com a jovem brasileira assinamos com a Bruna Marquezine - que é uma pessoa fantástica, muito genuína, que representa muito bem a juventude brasileira - para falar pela marca. E estamos crescendo muito. Por isso precisamos de mais espaço e estamos construindo uma nova sede para a L´Oréal Brasil, no Rio de Janeiro.

Em alguns pontos de venda, é possível encontrar produtos de até três divisões diferentes da L´Oréal. Vocês podem promover mais cruzamentos entre as divisões aqui no Brasil?
Primeiro, estamos coordenados e todos sabem exatamente o que acontece em todas as divisões. Temos aqui 26 marcas, e há quem tenha a visão de “por que não temos um vendedor para todas as marcas?”, Mas se fizer isso você vai matar metade das marcas, porque isso vai criar uma complexidade de posicionamentos e de preços. É verdade que você pode encontrar na mesma drogaria um produto como SkinCeuticals e outro como Colorama. Um é super sofisticado, pede recomendação dermatológica, tem alta concentração de ativos e custa R$300,00. O outro é um ator de volume, que é utilizado por 100 mil, 200 mil manicures no Brasil.

No mesmo ponto de venda é preciso manter a separação?
As marcas não podem ser tratadas do mesmo jeito. Manter a diferença é, para mim, um dos pontos fortes da L’Oréal. Essa capacidade de manejar 26 marcas diferentes, cada qual com sua história, cada uma com seu preço, com sua tecnologia, com seus diferentes modelos de negócios. Umas são totalmente dependentes de publicidade, outras são focadas na formação profissional ou em recomendação dermatológica, outras são totalmente de internet... Cada uma tem o seu posicionamento. E por que temos a capacidade de fazer isso? Porque temos times especializados que sabem como manejar cada uma dessas marcas. Se você for buscar a supereficiência (ao unificar), você vai matar as marcas. Não vai ser capaz de manter essas diferenças.

Você está satisfeito, ou acha que tem espaço para melhorar, a execução das marcas da L’Oréal no ponto de venda?
Você sabe bem da complexidade da distribuição brasileira. Temos muita fragmentação. Não temos um grupo realmente nacional, temos atores locais e regionais, multi regionais, lojas pequenas, lojas únicas, com tamanhos diferentes… A complexidade brasileira é imensa! É por isso que temos uma estrutura de Key Accounts nacionais, de clientes regionais, de distribuidores parceiros muito importantes, de atacado também… Então hoje já estou feliz com o progresso que estamos fazendo, mas para mim fica muito para fazer. Porque a distribuição brasileira é tão complexa, que é difícil dizer que você atinge 100% de qualidade de distribuição em 100% das lojas. É um setor onde temos feito bastante progresso, mas ainda temos muito para ganhar, melhor serviço logístico ao nosso cliente, melhor serviço nas lojas, melhor formação do nosso pessoal de vendas nas lojas, melhor execução de ponto de venda, assegurar que o produto esteja sempre disponível para o consumidor, então ainda temos uma margem de progressão.

E como a L’Oréal enxerga o canal de franquias no Brasil?
É verdade que isso é algo novo para o Brasil, especialmente com a franquia de Maybelline, que é um modelo criado aqui. Mas, a L´Oréal é um grande ator global nesse canal. A The Body Shop tem 2.800 lojas no mundo e são franquias. Kiehl’s tem mais de mil lojas e também são franquias. Além dos nossos counters, que utilizamos muito em lojas de departamentos, na Espanha, na China... Trazemos essa expertise em outros países.
Além do portfólio de marcas complementares, o complexo industrial na Niely pesou para a negociação com a empresa?
Esse foi um elemento interessante. Claramente foi uma ideia de sucesso do Daniel de Jesus (fundador e presidente da Niely) de criar uma empresa toda integrada com os centros de pesquisa, fabricação de embalagem, fabricação de produto, distribuição, marketing… Vamos continuar a trabalhar com o Daniel que teve um grande sucesso nesse negócio e nos valeremos muito desse setor industrial. Porque com o nível do nosso desenvolvimento precisamos de capacidade industrial, então o centro industrial de Nova Iguaçu vai ser muito importante para nós.

E como está a capacidade produtiva da empresa hoje?
A fábrica de São Paulo tem muita capacidade. A fábrica do Rio de Janeiro não tem muita capacidade de crescimento, mas na fábrica de São Paulo, que já é bem grande, nós temos mais de 50% de área de superfície para ampliarmos.

Toda a distribuição de vocês está baseada no Rio. Vocês sentem a necessidade de ter, por exemplo, um CD no Nordeste para atender de maneira mais efetiva aos clientes da região?
Isso vai evoluir. Não posso dizer mais do que isso. Mas essa estrutura vai evoluir no futuro.

Qual a sua visão para o desenvolvimento de pessoas na L’Oréal Brasil?
São duas coisas aqui no Brasil. Primeiro é como nós tratamos os nossos funcionários, um assunto fundamental. Meses atrás lançamos um projeto que se chama Share and Care, com o objetivo de oferecer as melhores condições de trabalho e benefícios para os nossos funcionários. Estamos oferecendo dois meses de licença maternidade a mais, subimos o auxílio para creches, temos uma sala de amamentação, ampliamos a cobertura social com o seguro de vida. Fazemos muita questão disso, de dar mais proteção social e de ajudar a mãe. Isso é muito importante.
Também estamos criando um grande programa de formação para os nossos funcionários. Lançamos um programa chamado Leaders for Change, um programa criado em parceria com a Fundação Dom Cabral para formação e capacitação dos nossos principais executivos. Hoje participam desse programa 100 pessoas e agora vamos estender para 400 profissionais. É o programa mais ambicioso que já fizemos aqui no Brasil, e me parece também na América Latina, que vai formar a maior parte dos nossos líderes.

Poderemos ver mais brasileiros no comando de divisões e nas diretorias da L´Oréal Brasil?
Depois temos o tratamento das lideranças. Claramente queremos diminuir o número de expatriados. Isso é um objetivo bem claro. Hoje já temos mais de 60% do comitê executivo da L’Oréal Brasil composto por brasileiros. Estamos (expatriados) em três franceses, um italiano e um polonês e esse número tende a reduzir. A ideia não é ter 100% de brasileiros porque estamos numa empresa global e é sempre interessante ter pessoas de diferentes nacionalidades. Até porque também queremos brasileiros em comitês executivos de outros países. Mas, claramente temos de ter uma maioria de brasileiros nas funções de comando aqui no Brasil. E também temos de subir o número de brasileiros fora do país.

Hoje quantos brasileiros estão em operações internacionais?
Temos 18 expatriados no Brasil e 20 brasileiros expatriados. Uma de minhas funções é de identificar, formar uma pessoa que esteja apta a assumir o cargo de presidente da L’Oréal Brasil. Se vai ser o meu sucessor ou não, ainda não posso dizer, porque estou aqui (risos). Temos uma coisa singular no Brasil: a inteligência, o talento, há muitos brasileiros muito inteligentes e muito capazes. Agir para dar suporte a esse desenvolvimento é uma das minhas missões.
Como um executivo com vivência em vários mercados, você acha possível ter uma marca global dentro da L´Oréal, nascida no Brasil?
É possível sim, apesar de que hoje não existe, em qualquer setor. Hoje poderia existir. É verdade que é um desafio para todo o setor de consumo brasileiro, que é fazer mais esforço para ele entrar internacionalmente, porque hoje o mercado brasileiro é bem grande, e a maioria das marcas fica principalmente no Brasil. Então isso representa um desafio. Nós, da L’Oréal Brasil, representamos menos de dez por cento da cifra do grupo. É um trabalho que não se faz de um dia para o outro, foram muitos anos de trabalho e será um bom desafio global para a indústria brasileira.

E o que mais você espera transformar na L’Oréal Brasil, do ponto de vista de organização?
Eu gostaria de dizer que temos de trabalhar para fazer com que L’Oréal seja simples. Que trabalhar para a L’Oréal como funcionário seja simples e trabalhar com a gente, para um cliente, também seja simples. Esse é o nosso objetivo. Prestar um bom serviço e simplificar para que seja um prazer simples trabalhar conosco. Deve ser o objetivo de todas as organizações.

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