O consumidor no centro

Para o francês Elie Papiernik, sócio e diretor de criação da agência Centdegrés, as embalagens precisam dizer algo sobre o produto que seja perceptível para os consumidores

  

Uma das agências de design mais atuantes no mundo da cosmética e da perfumaria, a francesa Centdegrés é uma prova viva do valor que um bom design – na acepção mais completa do termo – pode agregar a um produto. Mais do que desenhar formas e criar visuais bonitos, os trabalhos desenvolvidos pela agência buscam dar sentido e vida às embalagens que precisam ao mesmo tempo servir de ferramenta para a aplicação do produto e mostrar, desde o primeiro contato, o que o produto se propõe a entregar para quem vai usá-lo. Em visita a São Paulo para a inauguração do escritório da Centdegrés na cidade, Elie Papiernik, sócio e diretor de criação da agência, conversou com Packing Cosmética sobre a sua visão da perfumaria brasileira, a relação entre design e consumidor e do papel da embalagem no mix do produto.


Como você vê a perfumaria brasileira em termos de estilo?
O que eu acho interessante é que se tem vários aspectos. Falando dos dois grandes atores do Brasil, a Natura é muito claro para mim. A coisa da natureza, do respeito às pessoas, no fornecimento dos produtos sustentáveis. Tudo isso é muito claro. Uma perfumaria de um jeito brasileiro típico, muita natural, ética... Quando eu penso em O Boticário, para mim, já não é algo tão típico em termos de estilo. É (uma marca) mais internacional e inspirada por várias coisas. É uma grande marca de beleza e a sua personalidade não é tão claramente brasileira. Mas, o que é mais forte é que as pessoas amam a perfumaria aqui e isso é 
a grande força do mercado. No Brasil, os grandes players estão mais no mass market e no mastige, e eu vejo oportunidade para criar marcas premium, marcas de luxo de um jeito diferente, de um jeito brasileiro, diferente de uma marca italiana ou francesa. Dá para criar uma marca premium tipicamente brasileira e quando eu digo isso, não estou falando de um jeito tradicional, mas de um jeito moderno.  

Enquanto designer, quais os grandes gargalos que você enxerga na cadeia de fornecimento de embalagens no Brasil. Você acredita que temos uma boa oferta?
Até onde sabemos, a indústria brasileira aciona fornecedores do mundo inteiro. Fabricantes francesas, japoneses, em fragrâncias ou frascos... 

Mas apenas em casos muito especiais. Eles usam majoritariamente fornecedores locais.
Os impostos de importação são altos e isso não ajuda. Mas os grandes fabricantes locais, nos próximos anos, vão produzir mais produtos premium e com critérios de qualidade mais altos. E também teremos produtos locais trabalhando para ocupar outros espaços, como o segmento de marcas de nicho. As empresas brasileiras têm o know-how necessário para ocupar todos esses espaços. A perfumaria no Brasil vai evoluir. Ela se tornará mais acessível e é importante que toda a cadeia, incluindo criação, marketing, qualidade, que tudo isso esteja em padrões mais elevados. Mesmo os fornecedores locais podem ser puxados. Nós temos de puxar, as empresas têm de puxar. Acredito que vamos participar da evolução dessa perfumaria, porque os desafios para as grandes empresas locais serão maiores com a chegada de atores como a Sephora e o avanço da internet. Ainda existem muitas coisas para serem feitas. 

A perfumaria e a cosmética muitas vezes se valem de embalagens rebuscadas ou complexas demais, que obrigam o consumidor a ter de pensar sobre como ele vai usar o produto. Quando você desenvolve um projeto, como pensa o uso do produto, e não só do ponto de vista da ergonomia, mas de uso mesmo, de ser mais intuitivo no seu uso?
No design de perfumes, o que é preciso entender é que o papel do frasco é “embalar” a fragrância. É um trabalho básico. A embalagem é uma ferramenta para a fragrância. Eu penso que no mundo da beleza, das fragrâncias a funcionalidade vem primeiro, você não discute isso. É um must have. Se você desenha algo que é intrincado para usar é uma catástrofe, não é um bom design para mim. Mas, um outro aspecto importante, é que a embalagem tem de dizer alguma coisa sobre o produto. É como num restaurante, você lê o menu e já começa a saborear o prato ali. Quando você vê um frasco, ele tem de dizer algo sobre a fragrância. O consumidor tem de sentir isso.

E como fazer esse frasco ‘falar’?
Muitas marcas têm investido mais pesadamente em marketing, mas nós, como designers, queremos que a embalagem diga mais sobre o produto. Pegue o caso do novo perfume da Cartier, o La Panthere. Ele traz uma tecnologia que nos desenvolvemos junto com a Pochet (vidraria francesa), cinco anos atrás. Queríamos estar aptos para dizer mais sobre a fragrância na embalagem. E aí trabalhamos numa técnica que esculpe o frasco por dentro, que nos permitiu esculpir a fragrância. Quando a Cartier nos procurou para o La Panthere resolvemos usar a tecnologia. No nosso processo de construção, o storytelling veio primeiro, mas logo na sequência veio a questão de como seria fácil usar a ferramenta a nosso favor. 

Operando em vários mercados, acredito que vocês estudem muito a maneira como o consumidor se relaciona com as embalagens. Como vocês avaliam essa relação?
Tentamos entender como o design que será percebido pelo consumidor. Isso é design thinking, colocando o consumidor no centro. Não importa o que você faça, é preciso trazer o consumidor para o centro. É senso comum. Como eu faço isso? Tentando fazer a embalagem ser fácil de ser percebida. Que ele (o consumidor) entenda o que eu quero dizer. O ser humano tem de estar no centro. Isso é importante.

E as marcas estão fazendo isso?
Eu acho que muitas marcas estão focadas demais em estudos e pesquisas de mercado, focus group e isso é um pouco diferente do que estou dizendo. Às vezes, você cria algo novo e nesse processo e a primeira vez em que você mostra isso aos consumidores eles ficam surpresos. Os focus groups tolhem um pouco a criatividade. Você precisa de líderes e executivos ousados, empreendedores, que entendam o processo criativo e assumam que o consumidor está no centro.

Vocês dão mais peso à cadeia de abastecimento hoje, no momento em que estão desenvolvendo um novo projeto?
Isso sempre foi pensado. Mas, quanto mais audacioso você é no lado criativo, mais focado você tem de ser na execução, puxar a técnica, integrá-la. Você tem uma boa ideia, mas como  viabilizá-la? Para aumentar a qualidade, você precisa trabalhar junto com a cadeia. Não é algo que você estala o dedo e acontece. Mas isso é bom para o consumidor. Eu vejo todos os dias produtos com embalagens caras, sofisticadas do ponto de vista técnico, e eu sei que elas são caras porque eu conheço o processo do ponto de vista técnico. Só que você olha para aquele produto e não o percebe como um produto caro, de valor. É preciso integrar os fornecedores, puxá-los e respeitá-los, porque eles têm expertise, know-how e isso forma um ótimo balanço.
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