A quase 20 anos atrás, em setembro de 2002, a Guerlain ousou em trazer ao
mercado sua Happylogy, uma linha de cosméticos totalmente inovadora, cujo
objetivo maior era deixar a pele mais feliz, estimulando a liberação de endorfinas.
Isso foi consequência de descobertas que aconteceram nos anos 1990, onde ficou
entendido que as fibras nervosas intra-epidérmicas interagem direta ou
indiretamente com as células cutâneas e também com as células dos sistemas
endócrino, linfático e imunológico. Parte desses estudos abordava substâncias
secretadas pela pele perante determinados estímulos e a hipótese de secreção de
endorfinas era a mais comentada .
Sim, pele é o órgão mais densamente inervado do corpo, e seus anexos possuem a
mesma origem embrionária que as células que formam o sistema neural, hormonal e
imunológico. Sim, a comunicação celular perdura por toda a vida desde o início da
vida de qualquer ser humano. Sim, o que se passa pelo seu cérebro em termos de
sentimentos e emoções se reflete na pele. E sim, a pele sente e passa informações
instantâneas ao cérebro.
Mas existem pontos importantes a serem esclarecidos, não é tão simples assim:
Esse sistema neuro-imune-endócrino cutâneo necessita de uma linguagem comum,
composta de diferentes moléculas, como neuromediadores, citocinas e fatores de
crescimento, que são sintetizados e liberados pela pele e também pelas terminações
nervosas intraepidérmicas. A maioria das células da pele expressa receptores para
neuromediadores, as próprias células da pele são uma fonte importante de
neuromediadores. E estes, entre os quais os queratinócitos, sintetizam
neurotrofinas e endorfinas, e estão envolvidos em respostas ao stress. Existem
evidências que os neuromediadores liberados pelos queratinócitos também atuam
de forma parácrina em outras células da pele, como células de Langerhans,
melanócitos e fibroblastos.
Essa consciência de interação mente-pele foi muito importante para ajudar a
especificar quais são as condições relacionadas as peles neurogênicas, por exemplo
como a síndrome da pele sensível. Porém embora seja uma realidade que texturas
cosméticas inovadoras podem surpreender o cérebro e despertar prazer, o assunto
é bem mais profundo e aqui tudo ganha magnitude de comprovação científica.
A partir da última década dos anos 2000 muitos pesquisadores enveredaram pelo
caminho de buscar substâncias ativas tópicas para estimular a produção de
endorfinas na pele. Peptídeos e Oligopeptideos foram os primeiros na linha de
pesquisas comprovadas, trazendo ao mercado cosmético uma pequena lista de
novos ingredientes com a promessa de “pro endorfina para acalmar a pele”. Mas a
proposta era mais robusta e trazia a mensagem de suavidade, conforto e
relaxamento, modulando sensações desagradáveis e atuando no relaxamento
muscular via neuro-transmissores.
Como estamos nesse momento?
Estamos vivendo uma força tarefa na área de pesquisa para conhecer melhor todas
estas interações e saber como influenciam uma variedade de funções fisiológicas e
fisiopatológicas cutâneas. Empresas privadas, academias e pesquisadores solitários
no mundo inteiro estão trabalhando para entender como essas vias
monodirecionais ou bidirecionais nas quais o sistema nervoso central e periférico, o
sistema endócrino e o imunológico e quase todas as células da pele estão
relacionados. E daí vamos entender melhor essa tal comunicação e suas
consequências, desde o desenvolvimento celular, crescimento, diferenciação,
imunidade, vaso regulação, desenvolvimento de reações de desconforto como
prurido e eritema, até processos imunológicos e de cicatrização do tecido cutâneo.
Evidente que este retorno de interesse por neuro cosméticos trouxe uma nova
busca por beta endorfinas ou substâncias com atividade para estimular a produção
de beta endorfinas. A cada dia aparecem novas patentes registradas nesse sentido.
Ainda assim é vital ter clareza de raciocínio e pontuar que mesmo que as
descobertas recentes tenham aberto novas portas para entender o papel das
terminações nervosas periféricas da pele, ainda há muito a se estudar. É só o
começo para estabelecer um novo conceito, muito mais moderno, para a
Neurobiologia cutânea.
Sonia Corazza