Mais possibilidades. Mais complexidade

Mais possibilidades. Mais complexidade

Embalagens. Para muitos, ainda o calcanhar de Aquiles da cadeia de abastecimento da indústria brasileira de beleza.

Tendo os consumidores no centro da estratégia de desenvolvimento, os profissionais de embalagem precisam se equilibrar entre os anseios do consumidor da marca, segurança, as metas de sustentabilidade, limitações técnicas e custos estreitos para entregar a melhor embalagem possível para o consumidor  

A amplitude e a qualidade da oferta de diferentes componentes de embalagens e soluções demandadas pelo mercado de beleza evoluiu brutalmente no Brasil ao longo dos últimos 20 anos. A chegada ao país de alguns dos principais fornecedores de embalagens da Europa somada ao crescimento das grandes companhias locais criaram um contexto no qual, pouco a pouco, o mercado foi vencendo as barreiras tecnológicas que nos deixavam anos luz atrás do que era oferecido às marcas de beleza no mundo desenvolvido. Isso, mesmo considerando as peculiaridades do nosso mercado, do custo Brasil, aos desafios logísticos, passando pelo fato de termos um mercado que tem muita concentração e opera, basicamente, no segmento de mass market. É um aspecto relevante da perspectiva de desenvolvimento e da adoção de tecnologias. Temos grandes volumes de produção, mas menos espaço na composição de preços para bancar a adoção de acessórios e acabamentos mais sofisticados, além de tecnologias e mecanismos inovadores e disruptivos, quase sempre reservadas para uso primeiro em marcas do segmento de luxo, uma indústria que praticamente inexiste no Brasil. 

Na busca pela embalagem ideal, ou a mais ideal possível, as marcas precisam levar em conta um número cada vez maior de elementos: de questões de qualidade e segurança, que permearam boa parte da dedicação e desenvolvimento da indústria de beleza desde meados da década de 1990,  até os cada vez mais exigentes parâmetros relacionados com a sustentabilidade dos materiais utilizados e a sua destinação final, tema que desde a última década vem permeando não só os processos de desenvolvimento e produção, mas todo o planejamento estratégico das corporações. Isso sem falar em todo o posicionamento, os atributos e valores de cada marca, uma vez que a embalagem continua servindo como uma expressão desses atributos, inclusive os de caráter estético. Mas é fundamental para que uma embalagem possa cumprir com os seus diferentes papéis, que no centro desta complexa cadeia de opções e decisões, esteja o consumidor de cada marca. 

Colocar o consumidor no centro das estratégias e da tomada de decisões não é algo novo para praticamente nenhuma marca relevante hoje em dia. 

Agora, a forma como os diferentes processos de desenvolvimento de produtos, e ainda de forma mais específica, a definição dos diferentes processos relacionados com o desenvolvimento da embalagem de um produto, questões muitas vezes que lidam com desafios técnicos, já é algo muito mais difícil de se colocar em prática. No fundo, o desafio é tentar um equilíbrio entre os diferentes elementos de custo, qualidade e sustentabilidade dentro do que permite o perfil e o posicionamento de cada marca e à realidade técnica ao qual a indústria local, mesmo as grandes, estão sujeitas.

O entendimento do consumidor pelos profissionais da área de embalagem nas indústrias de beleza é fundamental e precisa abranger múltiplas dimensões: das relações dos diferentes tipos de consumidores com cada marca, o que esses consumidores esperam e valorizam em termos de experiência visual e de uso com a embalagem daquele produto, linkando essas expectativas com o perfil social, econômico e atitudinal daqueles consumidor somadas às exigências técnicas de cada empresa, que podem ser mais ou menos específicas em relação a determinados aspectos. “Claro que existem questões básicas em qualquer processo de desenvolvimento de embalagem, como as relacionadas a qualidade e a segurança do produto: a embalagem é prática, funciona, não vai ter qualquer elemento que possa machucar o usuário? Mas o link chave é com o consumidor. A embalagem tem que ser adequada ao que o consumidor do produto espera dela”, lembra Camila Storel, diretora de desenvolvimento de embalagens da L’Oréal para América Latina. É óbvio? Sem dúvida, mas colocar isso em prática de verdade é muito mais difícil. Ainda mais hoje em dia, com toda a diversidade de atributos que precisam ser entregues, metas que precisam ser alcançadas e muitas limitações técnicas e contradições.

 

Sustentabilidade é foco, mas não é igual para todo mundo

A sustentabilidade é um aspecto-chave para as empresas hoje em dia em relação a praticamente todos os seus aspectos produtivos e estratégicos. E a régua parte de um nível muito alto, até porque isso vem sendo trabalhado há anos. A diferença é que as metas relacionadas à Sustentabilidade, além de ficarem muito mais ambiciosas, passaram a permear toda a estratégia de qualquer empresa de beleza hoje. Todas as principais companhias do mercado estão muito expostas a metas agressivas de redução do impacto ambiental, via de regra até 2030, com metas intermediárias em 2025. Tratam-se de comprometimentos públicos. A Coty, que no Brasil é dona das marcas Risqué e Monange, tem o compromisso de, a partir de 2025, ter 100% das embalagens de nossos novos produtos provenientes de materiais recicláveis, reciclados, reutilizáveis ou compostáveis. 

As embalagens sempre foram dos primeiros alvos para redução do impacto ambiental, tanto que muitas empresas têm como meta em seus processos de novos lançamentos ou de redesenhos de linhas já existentes, que elas nasçam com impacto ambiental inferior ao das linhas anteriores. Mas, não se pode simplesmente abrir mão das embalagens, assim como não se pode buscar reduzir indefinidamente o uso de material de embalagem, sob pena de a segurança e a estabilidade do produto, e a experiência de uso pelo consumidor serem prejudicadas a ponto de o próprio produto deixar de fazer sentido. 

Da mesma forma, trocar matérias-primas consagradas do ponto de vista da sua aplicabilidade e segurança, não é algo simples. Muitos dos novos materiais de fontes renováveis, por exemplo, ainda não conseguem garantir o mesmo grau de segurança e confiabilidade. Aliás, um primeiro ponto de atenção diz respeito à própria relação das empresas e suas marcas com a sustentabilidade e a posição que esse tema ocupa, na prática, na escala de importância das decisões relacionadas ao desenvolvimento de produtos, embalagens inclusas. Faz sentido, abrir mão da eficácia do produto, ou mesmo baixar a régua em relação a determinados parâmetros de segurança (ainda que estes continuem bem acima do que é exigido pelo regulador) por conta de um menor impacto ambiental? Para a maior parte das companhias, a resposta será não? Mas, é preciso entender que as exigências de cada uma delas vão ser diferentes. O que atende plenamente aos parâmetros de uma, pode não atender aos da outra. Daí que não se pode querer impor um padrão de embalagem sustentável a todo mercado. 

Por exemplo, algumas empresas de cosméticos só permitem que os seus frascos e potes plásticos sejam produzidos com matérias-primas classificadas como food grade, ou seja, produzidas segundo as Boas Práticas de Fabricação de Alimentos, caso da L’Oréal. É uma escolha que, da perspectiva dessas empresas, privilegia a segurança do produto e do consumidor, mas que torna a adoção de resinas plásticas derivadas de material reciclado pós-consumo, por exemplo, mais complicada.

Embora existam dificuldades em aspectos mais específicos, fato é que o uso de material reciclado, inclusive, pós-consumo (ou PCR, da sigla em inglês), pela indústria de beleza no Brasil avança em diferentes frentes.

A marca Natura, da Natura&Co, por exemplo, tem no lançamento do Kaiak Oceano, de 2021, um marco importante nesse sentido, com 50% do seu tradicional ombro produzido com cerca de 50% de plástico reciclado, parte dele vindo de plástico recolhido do litoral brasileiro por cooperativas. A Natura também optou por lançar o produto sem o plástico celofane que envolve a embalagem. Para a empresa, eliminar esse plástico de uso único, que funciona como uma espécie de garantia de inviolabilidade do produto original, fez sentido na estratégia do produto. Em outra frente, a empresa já incorporou embalagens de PET 100% reciclado, como no caso de Tododia, que foram muito bem aceitas pelos consumidores. Segundo a líder Global de P&D da Natura, Roseli Mello. “A Natura tem como objetivo reutilizar e reciclar 100% dos materiais até 2030”, garante a pesquisadora da companhia brasileira. 

“É um grande desafio para a indústria de bens de consumo reduzir sua pegada de carbono e, consequentemente, a quantidade de embalagens produzidas, mas é muito importante que isso seja colocado em prática o quanto antes. Aqui na companhia já estamos trabalhando com esse objetivo”, explica Henrique Sales, diretor sênior de Pesquisa & Desenvolvimento da Savoy, operação industrial da Coty no Brasil. A companhia produz mais de 90% das embalagens plásticas em sua unidade Savoy, localizada em Senador Canhedo, Goiás. Isso proporciona uma redução na emissão de carbono já que não há necessidade de transportar as embalagens até a fábrica. Tudo é feito num único lugar. Também já passamos a utilizar nas embalagens de papel material pós-consumo e iniciamos um estudo completo de redução das emissões de carbono para uma categoria de produtos.

Na Unilever, uma das maiores companhias de bens de consumo do mundo, reduzir o uso de plástico virgem é ajudar a coletar e processar um número de embalagens plásticas maior do que as vendidas pela empresa estão entre as metas que compõem o Unilever Compass. “Nosso intuito é acelerar essa agenda no mercado e contribuir como liderança de um movimento por práticas mais sustentáveis, incentivando a economia circular na indústria e na sociedade”, explica Sueli Cagliari, gerente de Desenvolvimento de Produtos da Unilever.

Roseli lembra que viabilizar a circularidade é um movimento complexo e coletivo, que envolve desde a busca por processos inovadores para o desenvolvimento de produtos e embalagens, passa pelo consumidor, que, quando conta com opções de coleta seletiva, tem a responsabilidade de separar e destinar os resíduos corretamente, e volta às empresas que devem disponibilizar mecanismos que permitam o retorno ao ciclo produtivo. A criação desses mecanismos coletivos é um desafio que poderia ser mais facilmente superado com a ação conjunta das indústrias que lideram o mercado em diferentes canais de venda. Junto com os grandes varejistas do canal alimentar ou forma, por exemplo, poderiam desenvolver um modelo de coleta e logística reversa inclusive com incentivos para a participação do consumidor. Seria necessário investir recursos nisso? Sem dúvida, mas é talvez a melhor forma de acelerar o processo, inclusive de conscientização dos consumidores e estabelecer uma cadeia inteligente de coleta. Na venda direta, a líder de P&D da Natura vê um enorme potencial de conectar as mais de dois milhões de consultoras de beleza da empresa a esse processo de retorno das embalagens pós-consumo à cadeia produtiva. “Em uma visão integrada, a partir do nosso modelo de negócios, queremos mitigar o impacto ambiental e gerar valor positivo à sociedade, impulsionando a renda de cooperativas de reciclagem e oferecendo novos benefícios para as consultoras”, acredita Roseli Mello.

Tendo como diretriz o conceito “Menos Plástico, Melhor Plástico, Nenhum Plástico, a Unilever vem buscando incorporar um percentual cada vez maior de resina reciclada pós-consumo na composição das suas embalagens (o que se enquadra no “Melhor Plástico”, de acordo com a visão da empresa). Primeira marca criada pela Unilever em mais de uma década, a Love Beauty & Planet já nasceu sob esse conceito e seus frascos no Brasil já utilizam 100% PET reciclado. “Como resultado desses esforços no Brasil, quase 100% das marcas que utilizam embalagens rígidas já contam com a inclusão de percentuais de resina reciclada pós-consumo. Quando implantamos mudanças como essa, a redução do impacto ambiental é enorme”, conta Sueli Cagliari. Já para alcançar o “Nenhum Plástico”, a gerente de desenvolvimento diz que a empresa tem revisitado o seu portfólio, com pesquisa e desenvolvimento, para trazer ao consumidor opções de produtos em refil e produtos nus, sem embalagem. 

No fim do ano passado, a Natura deu um passo nessa direção, com o lançamento de Natura Biöme, uma marca de produtos em barra zero plástico. Todas as suas embalagens são feitas de papel reciclado e reciclável pós-consumo. Internamente, os produtos são protegidos por filme celulósico biodegradável, obtido a partir de fontes renováveis e compostáveis. “O portfólio de Biöme inclui ainda um suporte para uso das barras produzido a partir de uma tecnologia inédita que captura gás metano e o transforma em bioresina, tornando um gás nocivo ao meio ambiente em material compostável e biodegradável”, explica Roseli. O acessório é fruto de uma parceria com a startup californiana Mango Materials, pioneira no desenvolvimento de novos materiais de impacto positivo para o planeta. Por enquanto, a novidade está disponível para venda apenas na flagship store da Natura, na Rua Oscar Freire em São Paulo. Em breve, o e-commerce da linha será lançado, num ambiente exclusivo, fora do e-commerce tradicional da Natura.

 

Os desafios para o uso do plástico

“Alinhados com as nossas metas de sustentabilidade, estamos buscando incluir uma porcentagem maior de resina PCR no nosso portfólio, seja aumentando a porcentagem em cada produto, ou desenvolvendo resinas pós-consumo para novos materiais, como o polipropileno (PP)”, exemplifica a gerente da Unilever. O fato de muitas empresas já contarem com frascos de poliéster (PET) 100% reciclado pós-consumo, diz muito sobre a vontade da indústria de adotar o material em maior quantidade. Mas é preciso entender que o PET hoje tem condições que outros materiais não oferecem hoje. A começar pelo fato de o material manter características muito próximas da resina virgem: não tem odor e é food grade. Em relação a cor, ele é um pouco mais escuro do que a resina virgem e apresenta poucos pontos pretos, embora, para manter o frasco dentro da cadeia de reciclagem do PET para embalagens (a maior parte do PET reciclado retorna como têxteis, fibras ou laminados), recomenda-se que ele seja utilizado sem cor, decorado com elementos que permitam uma fácil separação, como rótulos e sleeves. A ABiplast, associação que representa os interesses da cadeia do plástico, estima que 55% do total de PET produzido seja reciclado no Brasil, mas apenas 23% deles voltam a ser novos frascos.

Embora venha ganhando espaço aos poucos, o uso de material reciclado pós-consumo em percentuais mais elevados representa um dos grandes desafios técnicos e de mercado para a indústria de beleza, especialmente em relação à adoção de PCR para materiais como PE, HDPE e PP as mais comuns na indústria de beleza e que não dispõe das mesmas características que favorecem o PET PCR. Além de não ser um material food grade para a ANVISA, as resinas PCR desses materiais ainda acarretam maior variação de cores e na presença de mais pontos pretos na embalagem final. Trata-se de um “problema” que precisa ser combinado com quem responde pela imagem da marca e do produto no mercado. “Por conta dessa possibilidade de variação, preciso aprovar uma panóplia de cores muito mais ampla junto ao time de Marketing. Também precisamos firmar acordos com os fornecedores de resinas para que, acima de uma determinada quantidade de pontos pretos, eles não podem me entregar aquele material”, explica Camila Storel. 

Para a L’Oréal, as resinas PCR de HDPE e PE o fato de não serem food grade ainda limitam muito os componentes de embalagens nos quais a empresa pode aplicar esses materiais no Brasil. “Nos Estados Unidos e na Europa já temos esses materiais. Temos incentivado nossos parceiros no Brasil e na América Latina para que eles possam alcançar esse objetivo. Seguramente, ao estimular, estamos fazendo um bem para o mercado como um todo”, pontua Storel. A dirigente da L’Oréal diz que em relação a outros países da região, o Brasil está um pouco mais avançado. “A Braskem já oferece PE com 70% de material reciclado pós-consumo, mas não é food grade”, lembra Storel, dizendo que a empresa é questionada por alguns fornecedores quanto a essa restrição da L’Oréal, já que os concorrentes da companhia não teriam a mesma restrição.

Para outros materiais, como o vidro, a reciclagem de material pós-consumo também avança. Na Natura, líder na categoria de perfumaria no Brasil, todos os frascos de fragrâncias incorporam vidro reciclado em até 30%. Mas, Camila, da L’Oréal, aponta para a necessidade de estimular um avanço na reciclagem do vidro, na melhor organização dessa cadeia e numa união de demandas das empresas, que ainda é baixa, além de uma disposição da indústria de pagar mais por esse tipo de embalagem. 

Mesmo no caso do papel, cuja cadeia de reciclagem é mais desenvolvida, o material pós-consumo já é mais presente, mas existem impactos no custo, além das questões estéticas que costumam acompanhar os materiais reciclados pós-consumo. “Estamos estudando muito a questão para trazer mais coisas. Tudo isso impacta em custo, mas vamos buscando o equilíbrio, pouco a pouco, para atingir as nossas metas como empresa até 2030”, conta Storel.

Refilagem avança

Dos três R’s relacionados com a sustentabilidade (reduzir, reutilizar e reciclar), reutilizar é o aspecto mais simples de operar e escalar. A refilagem de produtos de higiene pessoal (e de outros itens de beleza, em menor grau), é uma alternativa conhecida pelos brasileiros há tempos. Muito da tradição deve ser atribuída ao forte crescimento da Natura desde os anos 2000. A empresa incorporou refis ao seu portfólio ainda nos anos 1980 e, desde então, vem adotando a estratégia para itens de diferentes categorias, dos tradicionais sabonetes líquidos e desodorantes corporais até os itens de tratamento facial e maquiagem, o que contribui para reduzir a geração de lixo. Pela opção de refilagem, a Natura veio abrindo mão do recrave da válvula pump no frasco, um paradigma para a indústria de perfumaria, migrando aos poucos a sua linha para pumps desrosqueáveis. Mais recentemente, a empresa conseguiu expandir sua refilagem de perfumaria para uma das mais sofisticadas e tradicionais marcas do grupo, Essencial. “Essencial Refil, disponível para as fragrâncias Essencial Masculino e Essencial Feminino, representa 35% menos resíduos e 56% menos carbono que as embalagens normais. Ainda, até 45% do vidro é reciclado e a tampa é feita de plástico 100% reciclado pós-consumo”, garante a líder da Natura.

A força da Natura influenciou suas principais concorrentes na venda direta a adotarem opções de refil, o que faz com que as marcas do canal tenham um bom nível de oferta desse tipo de embalagem. No varejo multimarcas, o movimento ainda é mais limitado aos itens de higiene pessoal. Com maior valor agregado, a categoria de sabonetes líquidos é, de longe, a mais desenvolvida no segmento, com um bom leque de opções das empresas líderes da categoria no canal, como Unilever, Granado Phebo, Nivea e Colgate. A marca da Unilever Love Beauty and Planet  introduziu a estação de refil, que tem como proposta reduzir ao máximo a pegada ambiental dos produtos, mas que hoje, pode ser encontrada em apenas três pontos de venda em São Paulo.

De ticket médio bem mais elevado, o mercado de dermocosméticos também tem dado passos na adoção dos refis em formato pouch. Na L’Oréal, além dos itens de limpeza da marca Normaderm, a linha de cuidados capilares Dercos ganhou algumas opções de refil que oferecem redução de 86% de material. Segundo Camila, as soluções foram bem recebidas tanto por consumidores quanto pelos dermatologistas, agentes fundamentais para a geração de vendas desse mercado no Brasil. 

Já nas categorias de cosméticos de tratamento e perfumes, o desenvolvimento do varejo ainda é mais lento, até porque, no Brasil, ambas as categorias têm uma concentração muito forte na venda direta e nas franquias. A L’Oréal tem refis para sua linha de cuidados faciais Revitalift na Ásia e na Europa, mas ainda não no Brasil. No segmento de luxo, a fragrância My Way, mais recente franquia de perfumaria da marca Giorgio Armani, criou um sistema de refilagem que funciona como o da Natura, com o desrosqueamento da válvula, mas que traz alguns atributos tecnológicos a mais, inerentes ao mercado de luxo, com um refil de frasco transparente que para sozinho, o que facilita o seu uso nas diferentes volumetrias utilizadas pela marca sem desperdício ou gotas fora do frasco. “Temos um time de inovação global que busca e cria todas essas possibilidades para manter não só a segurança, mas também o glamour e a estética ao mesmo tempo em que permite uma redução do impacto ambiental”, explica Storell.

Superando os limites

“O interessante da área de sustentabilidade em embalagens é que sempre temos novidades: novos materiais, novos processos, aditivos, podemos criar e melhorar as cadeias de reciclagem. Essa constante evolução nos ajuda a ter cada vez mais liberdade no desenvolvimento de produtos, garantindo ainda a sustentabilidade. Temos grandes avanços, mas ainda há muito a ser feito”, concorda Sueli Cagliari.

A especialista da Unilever lembra que existem limites para cada tecnologia de embalagem. Não dá para colocar mais de 100% de PCR. “Quando chegarmos lá, vamos olhar para outros aspectos, como redução de peso, e eventualmente substituir o plástico por outros materiais como alumínio ou papel”, emenda.

Desde 2020, a L’Oréal, em parceria com a fabricante de embalagens Albéa, na França, introduziu no mercado a segunda geração dos paper tubes, uma bisnaga composta por mais de 50% de papel complementada por uma fina camada de um material plástico biodegradável, num nível que permite que o produto seja reciclado na cadeia de papel. Apesar do material, as bisnagas, que podem ser encontradas na linha de proteção solar Anthelios, da La Roche-Posay (uma das marcas com formulações mais complexas para os profisssionais de embalagem), aguentam a umidade do banheiro. Mais recente, a companhia francesa tem investido nos paper bottles, embalagens a base de polpa moldada de papel com material plástico interno de baixa espessura. A ideia da L’Oréal é levar as plantas que produzem essas embalagens para outros países. Afinal, a meta da empresa é ter até 2030, 100% das embalagens com plástico reciclado ou com a troca por materiais recicláveis.

Fórmulas clean e a segurança das embalagens

Para atingir suas metas ambientais e se alinhar às novas demandas do consumidor e à própria regulação, cada vez mais estrita, as marcas têm buscado fórmulas mais limpas e puras, com eliminação ou troca de conservantes. A embalagem cumpre um papel na preservação do produto também é nessas mudanças por fórmulas mais limpas, é preciso muitas vezes ajustar a embalagem para bancar essa alteração é permitir que o produto possa continuar seguro e estável, sem diminuir o seu tempo de vida útil.

Nesse processo, é preciso reavaliar o conjunto fórmula - embalagem para entender o quanto a embalagem está protegendo a fórmula e se não cabe nenhuma alteração, como a inclusão de algum filtro ou aditivo à composição da embalagem para que ela cumpra com o seu papel de proteção. “Estamos eliminando alguns conservantes das nossas fórmulas, por exemplo, com criteriosas avaliações. E, até o momento, não foi necessário promover nenhuma adaptação significativa em nossas embalagens nesse contexto”, revela Henrique Sales, da Coty.

Na Unilever, Sueli Cagliari conta que no caso de fórmulas mais sensíveis e que precisam de mais proteção em relação à luz solar, por exemplo. “Nesses casos, incluímos aditivos resistentes à luz ou garantimos uma garrafa opaca para proteger a fórmula. Os aerossóis também precisam ter condições específicas no interior das latas para garantir a pressão no momento do uso e existem embalagens próprias para isso que são utilizadas nesses casos”, diz a gerente de Desenvolvimento de Produtos.

A Natura tem como premissa utilizar conservantes e antioxidantes naturais, suaves e compatíveis com a pele como forma de contornar o impacto no shelf life das formulações. “Buscamos alternativas em embalagem para garantir a qualidade dos produtos, por exemplo, incorporando em alguns frascos transparentes o aditivo UV, que forma uma barreira à radiação Ultravioleta, reduzindo seus efeitos sobre o produto como mudança de cor. Só utilizamos aditivos em embalagens que tenham sua eficácia comprovada, que sejam seguros para o consumidor e que não prejudiquem o meio ambiente”, diz Roseli Mello. A líder de P&D da marca e venda direta diz que em alguns casos, a empresa recorre a embalagens do tipo Airtight, que impede totalmente o contato da formulação com o oxigênio externo, impedindo o processo de oxidação de ingredientes ativos como Vitamina C.

Embalagens do tipo airless sempre foram tidos como as melhores soluções para envasar produtos cuja formulação não pode ter contato com o ar, caso comum a produtos anti-idade, por exemplo. Mas esse tipo de embalagem, assim como as válvulas pump, estão entre os componentes de uma embalagem mais difíceis para serem reciclados, por conta do grande número de peças e, que em sua grande maioria, são compostos por materiais diferentes. A indústria vem avançando na oferta de itens monomateriais (bem como na adoção de resinas PCR), mas isso ainda está longe de ser a regra para o mercado. Essa complexidade tem levado a L’Oréal Brasil a buscar alternativas e a pesquisar a estabilidade de diferentes estruturas para encontrar o fit capaz de ajudar na conservação da fórmula. “Temos um desafio em inovação que está sendo trabalhado neste momento para uma fórmula super desafiadora. E já validamos um frasco de PET para outra formulação trabalhando apenas na espessura do frasco”, diz Storel, que conta que a L’Oréal possui um time global de inovação que opera em vários centros e que desenvolve as soluções mais extremas e disruptivas. 

Contradições do consumidor?

Assim como não se pode querer impor ao mercado um padrão único de embalagem sustentável, também não se pode querer estabelecer um molde mais ou menos padrão sobre a importância que os consumidores atribuem ao tema e a forma como eles entendem e percebem a sustentabilidade das suas respectivas perspectivas. 

É comum que pesquisas com consumidores brasileiros apontem para o quanto os consumidores valorizam a questão da sustentabilidade. Que os mais jovens então, são radicais em relação aos temas socioambientais. Assim como as respostas de que sim, eles estariam dispostos a pagar mais por isso. Alto lá. São muitas nuances envolvidas em cada uma dessas questões e muitas verdades e mentiras ocultas nessas respostas.

Fosse tudo verdade, muitas preferências dos consumidores seriam abandonadas por eles. Tradicionalmente, consumidores valorizam mecanismos como as bombas pump, incluindo as embalagens do tipo airless. Trata-se de uma questão de praticidade e que agrega valor ao produto. Muito do sucesso da refilagem de sabonetes líquidos diz respeito ao fato de a embalagem original conter uma válvula dispensadora. É muito provável que numa pesquisa com consumidores, eles tendem a optar pela adoção da válvula sempre que possível. Saber que o item está entre os mais difíceis para a reciclagem é algo que provavelmente eles não sabem hoje. Se soubessem e fossem questionados, poderiam dizer que abriram mão da comodidade. Mas a verdade, é que a quase a totalidade deles só abriria mão de fato, se a bomba fosse substituída por algo sustentável, mas que funciona tal qual a bomba, ou melhor. Uma parcela do público talvez abrisse mão do pump, se enxergasse uma vantagem financeira que justificasse a ele abrir mão. 

É preciso um misto de muita informação, discernimento e sensibilidade para extrair das pessoas que tipo de produto eles podem querer e, a partir daí, seguir para o desenvolvimento levando em conta os atributos da sustentabilidade, não o contrário. “É um trabalho difícil, ainda mais para quem está habituado ao trabalho mais técnico da engenharia de embalagem. Na L’Oréal, o time de Embalagens acessa tanto as pesquisas realizadas pela área de Marketing, mais exploratórias e que buscam entender que tipo de produto o consumidor espera como um todo: do desempenho da fórmula, ao custo e a experiência de uso; até as pesquisas realizadas no centro de inovação da empresa, no Rio de Janeiro, liderado pelo time de formulação da empresa, mas sempre com a participação de alguém da área de embalagem. “Nesse processo, vamos avaliando as possibilidades potenciais de solução para abrigar aquela fórmula, fazendo as questões para obter essas respostas”, diz a diretora.

“Precisamos estar sempre com a escuta aberta para ouvir o que o consumidor almeja para, assim, criarmos produtos que atendam a estes anseios. Por exemplo, o lançamento de Força e Vitamina trouxe tampas com atuador pump em Shampoo e Condicionador, para trazer mais conforto e uma experiência mais premium. No mesmo lançamento também tivemos as vitaminas em embalagens conta-gotas, remetendo a um tratamento farmacêutico inclusive com a possibilidade de customização para enriquecer a experiência”, conta Cagliari, da Unilever. 

Embora o consumidor deva estar sempre no centro, a proposta de sustentabilidade de uma embalagem não pode conflitar acima dos atributos da marca. Numa visão simplista, quanto mais simples for em termos de acabamentos, por exemplo, menor será o impacto ambiental da embalagem e mais fácil a sua reciclabilidade. Para consumidores mais radicais, uma embalagem “clean” ou “pura” nesse sentido, pode fazer todo sentido. Para a geração que levanta as bandeiras, eles podem abrir mão dos atributos estéticos (mas não dos funcionais) se acreditarem que aquele produto representa melhor do que qualquer outro a sua causa, sua visão de mundo. Mas é algo muito específico de um grupo de consumidores. Qualquer marca que tenha glamour, luxo e sofisticação como atributo (e elas existem aos montes no mercado de beleza), não pode pensar em fazer isso, mesmo que o impacto ambiental fosse drasticamente reduzido. Daí que para essas marcas, a sustentabilidade na embalagem precisa acontecer nos bastidores, não no palco principal. “L’Oréal Paris tem vários itens em embalagens de vidro. Estamos ousando tentar influenciar o time de Marketing da marca a não usar hot stamping, talvez substituir por uma tinta menos agressiva, mas sem abrir mão desse aspecto de sofisticação. Não se vai quebrar um histórico de décadas de uma hora para outra”, diz a diretora da fabricante francesa. Por se tratar de uma marca global, mas fabricada em diferentes regiões do planeta, em cada lugar as operações locais da L’Oréal buscam as tecnologias disponíveis que podem permitir uma diminuição do impacto ambiental. “É um super desafio quando falamos de plástico, quando falamos de Lancôme, mas tentamos ir por outros caminhos, pela refilagem e até por substituições”, emenda Storel.

Aí surge o outro desafio, trazer essa sustentabilidade para o processo de desenvolvimento e produção, sem que isso afete os atributos estéticos da marca, e que os custos não subam, ou ao menos, subam muito pouco. Porque do consumidor médio, que forma a grande massa de compras, não se deve esperar que ele aceite pagar mais especificamente por isso. Esse custo precisa ser marginal ou encaixado num aumento de tabela. As pessoas querem sustentabilidade, mas não querem pagar mais por isso. Isso é uma realidade e vai caber às indústrias bancar esses custos. “Em algumas marcas e tipos de embalagem é possível (assumir custos mais elevados), para outras não. Todo esse processo que estamos vivendo é um grande desafio e não só para a L’Oréal”, pontua Camila.

Embalagem e as classes populares

Se o consumidor deve estar cada vez mais no centro das decisões relacionadas ao desenvolvimento de uma embalagem, é preciso que os profissionais da área tenham a capacidade de entender os diferentes grupos de consumidores aos quais cada marca está exposta e como cada um desses grupos se relaciona com os diferentes elementos que compõe a relação dele com a marca, com a embalagem e da própria embalagem com a marca a partir da percepção desse consumidor, que mesmo em relação a uma mesma marca, pode ter um olhar diferente na comparação com a visão de consumidores de uma classe social diferente.

No caso de Niely, por exemplo, os consumidores de classe C, tendem a buscar uma melhor equação entre custo do produto e entrega. Em relação à sustentabilidade, ele aceita, mas não sabe se paga mais por isso. Já com as classes D e E, Camila acredita num trabalho mais silencioso. “Para classe D e E, em relação aos cremes de tratamento capilar, quanto maior, melhor. Por isso que temos potões para Niely, mas não para Elseve”, diz. O trabalho aqui, do ponto de vista da sustentabilidade das embalagens, está mais afeito a tentar reduzir o peso da embalagem, otimiza-las para que tenham o menor impacto ambiental possível. “O apelo visual da marca, o dourado, o laminado, acabamentos que geram mais impacto ambiental. Niely ganha muito consumidor pela qualidade da fórmula (em relação ao seu preço). Esse consumidor quer performance de produto, por isso, é preciso buscar soluções que caibam dentro desse custo”.

Para a executiva da L’Oréal, a marca criada em Nova Iguaçu nos anos 1980 e adquirida na década passada pela empresa é um desafio adicional, pois dispõe de menos referências globais e inovações, no caso do grupo francês, muito mais concentradas nos mercados maduros e em marcas globais. “Os produtos com diretrizes globais - acabam passando por um processo de adaptação de conceito de uma zona emergente. Mas, uma marca popular, nascida num mercado emergente, é algo que muitas vezes tem que nascer daqui”.

Qualidade ainda é uma questão 

Nas questões de qualidade das embalagens, temas como o acabamento das peças, ponto de injeção, manchas e cristalinidade e formas numa embalagem de vidro, algo que demandou muito trabalho e investimentos dos técnicos locais para que se chegasse no nível de exigência cada vez maior da indústria de beleza -, dentro de preços razoáveis para os padrões do mercado tupiniquim, muito se avançou. Especialmente no atendimento das grandes empresas que têm condições para trabalhar com desenvolvimentos exclusivos, o nível é bastante elevado. 

Hoje, fornecedores locais como Wheaton, C-Pack e Antilhas, acompanham pari passu o que acontece no mercado global, e oferecem aos seus parceiros possibilidades de tecnologias diferenciadas, seja em termos de acabamento, seja em relação à questão da sustentabilidade.

O que não quer dizer que esses desafios não estejam presentes no dia a dia, inclusive de grandes marcas. O mercado ainda é muito dependente das embalagens standards, especialmente as pequenas e médias empresas. O nível de qualidade dos fornecedores, especialmente para itens de mercado standard, ainda é um problema, especialmente para itens mais elaborados.

Assim que adquiriu a Nielly e passou a revisitar o seu portfólio de produtos, o time da L’Oréal se deparou com bombas que demandam 30 acionamentos até que o produto começasse a sair da embalagem (o limite máximo permitido pela companhia francesa é de 10 acionamentos). Trata-se de uma experiência terrível para o consumidor. A empresa encontrou outra válvula no mercado, com um custo adequado e que demandava apenas oito acionamentos, melhorando e muito a experiência de uso do produto. Também foram feitos novos moldes de tampa para melhorar o click e a vedação dos itens da marca. 

Avançamos muito em tecnologia nessas duas décadas, mas ainda falta muito a fazer. Para Camila Storel, uma das formas de acelerar seria que as próprias indústrias de maior porte investissem mais no desenvolvimento de fornecedores locais, que poderiam trazer soluções já disponíveis no exterior com mais facilidade do que as operações locais de multinacionais, por exemplo. “Muitas vezes esnobamos ou destratamos o fornecedor local. Por que não os estimular? Fazer parceria com eles? Muitas vezes, os pequenos estão mais dispostos a investir em algo diferente”, aponta a executiva da L’Oréal, que acredita existir espaço para criar um ambiente para a formação de empresas com mentalidade de startups, com fundos de investimento.

Os outros impactos das fontes renováveis

O uso das resinas de origem vegetal e renováveis, dentre as quais o PE verde da Braskem é o mais conhecido, é uma das formas por meio das quais as empresas buscam reduzir a pegada de carbono de suas embalagens. Mas quando se amplia o espectro de avaliação dos impactos que a embalagem a partir dessas fontes renováveis gera sobre o sistema, pode-se chegar a conclusões diversas sobre os seus resultados, a depender do que cada empresa tem como parâmetro para o impacto. Após muitos estudos, a L’Oréal deixou de usar o PE Verde obtido da cana de áçucar por entender que o uso dessa fonte de matéria-prima para a produção de embalagens poderia ter impactos sociais negativos sobre outras cadeias de produção que também dependem da cana, como é o caso da própria produção. O uso das resinas de origem vegetal e renováveis, dentre as quais o PE verde da Braskem é o mais conhecido, é uma das formas por meio das quais as empresas buscam reduzir a pegada de carbono de suas embalagens. Mas quando se amplia o espectro de avaliação dos impactos que a embalagem a partir dessas fontes renováveis gera sobre o sistema, pode-se a conclusões diversas sobre os seus resultados, a depender do que cada empresa tem como parâmetro para o impacto. Após muitos estudos, a L'Oréal deixou de usar o PE Verde obtido da cana de açúcar por entender que o uso dessa fonte de matéria prima para a produção de embalagens poderia ter impactos sociais negativos sobre outras cadeias de produção. "Adotamos a resina há alguns anos, mas após estudos mais profundos de ciclo de vida, de acordo com as nossas metodologias, decidimos por descontinuar com as linhas de produtos lançada. Precisamos garantir que os impactos entre as distintas dimensões da análise do ciclo de vida são positivos quando comparados a uma resina fóssil, sem gerar impactos sociais ou ambientais negativos", explica Camila Storel, da L'Oréal. A executiva diz que a empresa vem atuando em conjunto com a Braskem para a parceria possa voltar a acontecer, por meio dos novos estudos que estão sendo realizados para o PE green.

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