Internet das Embalagens

Internet das Embalagens

Em meio à transformação digital e a revolução promovida pela Indústria 4.0, o setor de embalagens vive um momento de transformação e reinvenção que descortina um verdadeiro universo de possibilidades e abre espaço para criatividade 


Um dos pilares fundamentais da chamada Quarta Revolução Industrial, também conhecida por Indústria 4.0, a Internet das Coisas já há algum tempo vem mudando de forma irreversível a maneira como lidamos com os objetos que fazem parte de nosso cotidiano, conectados digitalmente, através Softwares e sensores inteligentes que interagem entre si como um grande sistema nervoso.

Somos testemunha e, ao mesmo tempo, protagonistas de uma nova revolução industrial em pleno desenvolvimento, o que exige muita desenvoltura, criatividade, visão e capacidade para assimilar, adaptar e responder de forma tão rápida às exigências de um mercado consumidor em transformação quanto a velocidade com que ocorrem os avanços tecnológicos e com eles os hábitos de consumo e perfil do consumidor. 

O setor de embalagens talvez seja um dos mais afetados pela Indústria 4.0. Segundo Juliana Gonçalves, diretora da Gráfica Gonçalves, atualmente já se pode prever na embalagem uma das principais fontes de inovação, comunicação e interatividade com o consumidor. “Muitos produtos tiveram as embalagens repaginadas, e estas passaram a agregar mais valor à empresa e à marca. Além dessas já conhecidas funcionalidades, o mercado de embalagens tem investido em uma gama imensa de possibilidades de comunicação e interação com seu público final. Diversas ferramentas como QR Code, códigos de barras, embalagens ativas ou inteligentes, uso de dados variáveis ou até mesmo de embalagens com realidade aumentada vêm sendo exploradas pelos principais players“.

Dentro do mesmo processo de transformação digital que vem tornando tudo isso possível, nos últimos anos, vimos o avanço da tecnologia de smart packages (embalagens inteligentes) dar um salto impressionante, dando às embalagens dos produtos que consumimos um papel que vai muito além do de proteger seu conteúdo. Na verdade, a engenharia e o design de embalagens vêm ganhando importância e destaque tão grande, dentro dessa cadeia, que recentemente foi criado o termo IoP (Internet of Packaging) ou Internet das Embalagens para descrevê-lo.

“Podemos dizer que a IoP é um conjunto de sistemas, plataformas ou aplicativos, voltados à interação e a comunicação com ambientes internos e externos, por meio da embalagem. Essa infra-estrutura gerada é capaz de processar grandes volumes de dados, com o objetivo de comandar e controlar coisas, unificando o meio físico e o digital”, explica a designer Margot Takeda, sócia-diretora da a10 Design.

Ou seja, a Internet of Packaging está diretamente ligada ao universo de possibilidades que o setor de embalagens vê descortinar-se diante de si, na transformação por que passa a cadeia de suprimentos em interações digitais cada vez mais inteligentes, por meio dos códigos de barras, QR codes ou datamatrix, chips de NFC, bluetooth, realidade aumentada e impressão digital com marca d´água.

Segundo Sephora Manieri de Oliveira, Consultora Senior para Inovação do Grupo Gama, principalmente no que diz respeito ao setor de cosmética e beleza, essas tecnologias abrem espaço para um mundo de oportunidades. “Hoje, muito do que de mais avançado se vê acontecendo em relação à embalagens interativas ainda está restrito às grandes marcas. Mas, com recursos como o QR Code, por exemplo, já é possível ter acesso a informações que visam a melhoria da experiência do consumidor no que diz respeito à garantia de autenticidade, procedência do produto e sustentabilidade” exemplifica a consultora.

Margot Takeda aposta que iremos presenciar a inserção de muita tecnologia nas embalagens, mas ao mesmo tempo não podemos nos esquecer que teremos também, em paralelo, uma corrente forte de sustentabilidade, mas que também estará ligada ao hi-tech. “Gosto muito do exemplo da embalagem da marca NOHBO que criou uma linha de shampoo vegano na qual a embalagem se dissolve na água. O cosmético foi batizado de Drop (gota em inglês) e vem envolto em uma película feita de bio-plástico à base de plantas. Ao entrar em contato com a água, a proteção começa a se dissolver, processo que dura de três a quatro segundos, sem deixar resíduos para trás. Não podemos deixar de pensar aqui como um claro exemplo da biomimética, linha do design que utiliza conceitos da natureza para desenvolver soluções. A tecnologia de certa forma também utiliza um pouco disso na hora de pensar em programação e conceitos. E acredito que esta integração do digital com físico através dos aplicativos, vão crescer e muito. Um ponto importante é também dispositivos integrados nas embalagens, já permitem saber se o produto ainda está bom ou não para o consumo, como uma espécie de etiqueta inteligente. Além da realidade aumentada que informa e cria experiência para o consumidor. Ou seja, a era da smart packaging só está no início. Vamos ver ainda muita integração e interatividade nas embalagens. E o design irá com certeza evoluir, com novas tipografias, efeitos, texturas e formas de expressão, o que é incrível”.

Segundo Renato Massara, diretor de Marketing e Vendas da fabricante de embalagens de vidro Wheaton, a Internet das Embalagens funciona como um sistema que individualiza e rastreia as embalagens produzidas no planeta e as cataloga num banco de dados global. “Essa ferramenta viabiliza uma integração maior da embalagem com o produto e torna o processo mais personalizável. Para as indústrias, torna o processo de logística e controle das movimentações mais dinâmico e totalmente digitalizado, serializando as embalagens e reduzindo a margem de erros com entrega, perda ou extravio. Para os consumidores finais, torna a embalagem parte do produto e dá uma nova função, através da interatividade”.

Do ponto de vista do rastreio de produtos, o setor de embalagens já vem utilizando há algum tempo a tecnologia RFID, de identificação por rádio freqüência, chips tão pequenos quanto uma agulha que, em conexão com antenas que captam sinais eletromagnéticos e os energizam, fornecendo dados sobre localização para rastreamento e controle dentro de fábrica, estoque, canal de distribuição ou loja. Mas com a tecnologia de embalagens inteligentes as possibilidades podem ir muito além do imaginada, funcionando como uma ligação direta entre o fabricante e seu consumidor final.

“Acredito que veremos num futuro próximo uma codificação através de QR Code ou algo similar onde o consumidor poderá saber de todo o processo produtivo do produto e embalagem. E isto será um tema de grande importância no processo de decisão de compra por produtos mais sustentáveis”, prevê Maurício Carini, diretor da TrendPack, fornecedora de soluções de embalagens.

Líder nacional no fornecimento de embalagens de vidro, a Wheaton vem tirando proveito da transformação digital para melhorar a experiência do negócio e sua relação com seus clientes. Recentemente, a empresa lançou o programa MyWheaton3D, uma ferramenta de brainstorming, desenvolvida com o objetivo auxiliar as equipes de marketing e desenvolvimento de produtos e gerar insights para a criação. “Em um ambiente virtual e em uma plataforma totalmente interativa, o usuário consegue criar inúmeras embalagens personalizadas, escolhendo o formato, design, simular técnicas de pintura e metalização, serigrafia, hot stamping, válvula e tampa, do modo que desejar. Além de todos seus atributos voltados para a tecnologia, a MyWheaton3D é um projeto sustentável. Através da criação do frasco em um ambiente virtual reduz o volume de amostras geradas”, explica Renato Massara.

Design e engenharia de embalagens
Do ponto de vista do Design, se houve um tempo que as embalagens eram pensadas da perspectiva das gôndolas e prateleiras no ponto de venda, hoje também é preciso pensar em sua visibilidade digital para o e-commerce e dispositivos móveis, por exemplo. Desse ponto de vista, como isso impacta o design e criação de embalagens dentro do setor de cosmética e higiene pessoal?

“Tenho acompanhado projetos em que o tema visibilidade digital, bem como a experiencia do consumidor em todo processo tornou-se protagonista no momento do desenvolvimento”, acredita Carini, para quem hoje há uma maior preocupação para que o que é apresentado nos meios digitais seja fiel ao que o consumidor recebe. “Vimos na década passada embalagens lindas em fotos de catálogos que causavam certa decepção por conta de aparência, funcionalidade e proteção quando o consumidor recebia o produto”, lembra o diretor da TrendPack.

Na mesma linha, Sephora Manieri também acredita que o design de embalagens precisa ter uma visão mais holística do negócio e do próprio mercado. “Vivemos num mundo multicanal. A venda direta, por exemplo, mudou muito nos últimos anos. Acredito que a tecnologia vai ditar as regras através da conectividade entre marcas e clientes, colaborando muito para que o design consiga traduzir de uma forma cada vez mais completa a vida do produto em diálogo com seu consumidor, principalmente no setor de beleza. Hoje ainda compramos muito incentivados pelo visual, mas vejo um futuro em que será possível, através da embalagem em interatividade com seu celular, por exemplo, verificar no ponto de venda quais as propriedades de um produto e até que ponto ele é apropriado para o perfil do consumidor”, prevê.

Pensar o desenvolvimento da embalagem nos dias de hoje vai muito além de pensar só na forma ou na cor. “Temos que analisar o processo de criação em um giro de 360 graus, desde o que motiva o consumidor a comprar até o seu descarte e economia circular. O consumidor quer muito mais do que um produto ou uma embalagem, ele quer saber a história da marca e qual seu comprometimento social. A sustentabilidade é um tema relevante e muito importante ao criar uma embalagem” exemplifica o diretor da Wheaton.

Por mais que o mercado de e-commerce avance, a embalagem preserva a necessidade de encantar o consumidor, ainda mais no mercado de beleza. “Por isso o design, a beleza e os acabamentos especiais continuam sendo elementos essenciais”, acredita Juliana Gonçalves. Para ela, uma questão que se intensifica é a preocupação com a conservação e a proteção do produto, já que nesses casos, elas são transportadas e entregues diretamente ao consumidor final. Portanto, soluções que não amassem, arranhem, descolem ou estraguem durante o transporte são cada vez mais valorizadas”, reforça a diretora da gráfica.

Para Takeda, a internet, o celular, os aplicativos e, as redes sociais, estão impactando a olhos vistos a forma como o consumidor interage com o produto e a marca com seu consumidor. “Muito se falava dos desafios de se vender cosméticos online, pois de certa forma o sensorial (pegar a embalagem, sentir a textura, o brilho e o cheiro) eram alguns dos atributos perdidos. Mas até isso, já está com os dias contados para mudar e acredito que irá evoluir muito”, diz a designer.

A sócia da a10, lembra do impacto já gerado na jornada de consumo com o advento de aplicativos que permitem com que os consumidores experimentem todas as cores de maquiagem, tinta de cabelo, roupas entre outras. “Acredito que a tecnologia irá impactar na maneira de se pensar a embalagem. É preciso sim estar atento que o universo digital estar estrito às dimensões das telas (para smartphones, tablets, laptops). Em breve deveremos ver uma comunicação mais adaptada para o digital, por exemplo, com o uso de tags utilizando tecnologia NFC, que permite a troca de informações entre dispositivos por aproximação física, permitindo uma comunicação personalizada e experiências únicas, criando uma conexão muito forte. As marcas que nasceram nesse contexto já trabalham desta forma mais global e interativa, pensando no Brand System e numa comunicação mais integrada entre o físico e o digital”, aponta Takeda.

A revolução dos dados
Vivemos tempos nos quais os dados ditam as decisões de negócios. Agora, as embalagens estão cada vez mais inseridas nesse processo. Por meio da tecnologia de embalagens inteligentes é possível capturar e analisar dados acurados, capazes de otimizar a experiência do consumidor, como onde, quando e porque o cliente interagiu com o produto; que dispositivo foi utilizado; a região em que foi realizada a compra e qual o canal de venda. Abrindo espaço para descobrir soluções de venda e despertar no consumidor seu engajamento com a marca.

Juliana Gonçalves aposta que cada vez mais, tanto os produtos como as embalagens, serão pensados de forma personalizada. “As empresas têm investido massivamente em pesquisa e uso de dados para conhecer a fundo seu consumidor e buscar encantar cada um deles. Um exemplo claro disso são algumas campanhas com dados variáveis, em que é possível colocar o nome do cliente ou fazer um desenho totalmente exclusivo. O uso dos dados é uma forma de as empresas entenderem cada vez mais as expectativas de seu público, e o uso de ferramentas inteligentes nas embalagens pode significar uma ótima fonte de monitoramento desses dados”.

Maurício Carini vai no mesmo caminho, chamando atenção para a importância dos dados porá o avanço de pesquisas que vêm modernizando o setor. “Existem os estudos muito mais executados pelo cliente da indústria de embalagem e estes direcionam o desenvolvimento de novos produtos, percebemos um aumento, comparado a anos atrás. Os dados terão papel fundamental no processo de inovação para desenvolvimento de embalagens e da própria indústria como um todo”.

Já Sephora Manieri chama atenção para a importância dos dados como um dos pilares da inovação. “O tratamento de dados pode ser o segredo que define o sucesso ou o fracasso de um projeto. Eles são fundamentais para a implementação das inovações que podem ou não colocar uma empresa num nível de Industria 4.0”.

Margot Takeda chama atenção para o papel importante que a profusão de dados têm hoje para o design estratégico. “Os dados são cruciais para embasar qualquer trabalho realizado pela a10 Design, isto porque para nós o design é estratégico e ferramenta fundamental para branding, que é a base para os nossos projetos de embalagens. Os dados impactam o nosso trabalho, pois embasamos a criação, validamos conceitos e soluções que fazem diferença no dia-a-dia das pessoas. Em projetos, na criação da identidade de embalagem, no qual a marca já tem o equity construído é preciso muita cautela com uma mudança drástica, que só realizada se de fato em pesquisas os consumidores expressam que almejam visualizar isso na marca. Estas pesquisas podem ser as tradicionais, ou podem ser dados coletados nas jornadas do consumidor, por pesquisa digital feita por aplicativos ou mesmo testes neurofisiológicos como o eyet racking, onde utilizamos o rastreamento ocular e outros testes embasados na neurociência do consumo para testar, validar novos design de embalagens ou campanhas, o que chamamos de neurodesign”, explica a designer e sócia da a10. 

Outro ponto para o qual ela chama atenção é que com os dados oriundos da internet é possível entender como o produto se comporta no online versus nos pontos físicos. “Quase todas as marcas possuem estas métricas. Nós designers devemos mergulhar em todos os dados, pois eles nos auxiliam a criar soluções de design de embalagens que além de encantar o consumidor, podem criar conexões maiores, embalagens mais sustentáveis com menos espaços vazios, materiais recicláveis e no processo de produção pensando em economia circular. Ao mesmo tempo, os dados permitem criar experiências de unboxing inesquecíveis para e-commerce, e ajudar a pensar em como diminuir custos na logística. É uma visão 360º que permeia todo processo de criação, cientes de que esta experiência afetará a nossa realidade e o nosso mundo”, conclui Takeda.

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